Governo Bolsonaro tem militares em todos os setores do governo e é cercado de generais (José Cruz/ABr)
Por Ricardo Soares*
O poeta espanhol Federico Garcia Lorca dizia “verde que não te quero farda” e foi assassinado em 1936 pelo fascismo adorado pelos milicos que se instalou em seu país e cujas primeiras horrendas lembranças foram os destroços em que transformaram Guernica. Não quero ser fatalista, mas aqui passou da hora de clamarmos o tal “verde que não queremos farda” para não assistirmos, passivamente, a tomada da máquina do Estado por militares de baixa patente mental.
É curioso que, desde sempre, muitos setores de nossa sociedade desorganizada sempre festejaram a tal sólida formação que nossas academias militares dariam a seus cadetes. Notadamente a Academia Militar das Agulhas Negras, que meu finado pai teria tido imenso gosto se eu a tivesse frequentado. Pois não está na hora de começarmos a desconfiar, mesmo que tardiamente, de que tipo de formação os cadetes lá recebem? Afinal, o nosso presidente monstro lá se formou ou deformou e não consta que tenha recebido nenhuma instrução minimamente humanista que amenizasse seu coração de pedra. Isso sem falar do pior ministro da Saúde de nossa história , o tal Pazuello, também egresso das Agulhas Negras.
Sou daqueles que nunca conseguiram enxergar qualquer utilidade nos militares além de obstruir caminhos democráticos. Aliás, pra que serve mesmo uma porção de soldados principalmente em tempos de paz? Nem concedo de que a questão seja polêmica. Pra mim é bloco fechado. Detesto milicos desde sempre e, quando achei que pudesse abrir a guarda estando eles tão em aparente silêncio pós-regime 64-85, vejo que voltam com força ao cenário com tipos tão lamentáveis, risíveis e ignaros como Mourão, o já citado Pazuello e aquele descerebrado que veio do Haiti, o tal “Gagáleno”. Se existir vida inteligente na caserna devem ser votos vencidos.
Não são poucas as citações dentro da literatura latino -americana sobre as agruras da vida nos quartéis como bem narra, por exemplo, Mario Vargas Llosa em seu livro de memórias Peixe na água, quando conta as provações, rituais sádicos de iniciação e fortalecimento da “macheza” ao qual foi submetido num tal colégio militar Leoncio Prado, no Peru. São variações do mesmo tema em nossa América. Sempre com aquela mentalidade que agrade aos pais de classe média de que vida militar corrige filhos desordeiros, rebeldes, ou suspeitos de “bichice”. É a triste mentalidade ainda vigente que converte essas estufas de maus tratos em escola de formação de bezerros mansos e humilhados.
A mais alta hierarquia foi exemplificada por esse Pazuello que falava que “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. General de três estrelas da subserviência.
Depois de tantas desventuras militares é triste ver o mesmo filme de novo. Não cheguei até aqui pra ver meu país de novo dominado por essa mentalidade retrógrada que obriga cadetes a pintar árvores e calçadas com cal, enquanto a alta cúpula das Forças Armadas come e bebe do melhor às nossas custas, deixando como herança aos seus descendentes aposentadorias polpudas. Definitivamente, o pensamento de Lorca vive : “Verde que não te quero farda”.
*Ricardo Soares é diretor de tv, escritor, roteirista e jornalista. Publicou 8 livros, dirigiu 12 documentários.
Via Dom Total