Especialistas apontam processo de regionalização da atenção à saúde como forma de melhorar a assistência nessas cidades; falta de demanda é um dos motivos que afasta serviço privado

Por Isabela Abalen – O Tempo

O cuidado com a saúde de Seu Francisco Jonas Moreira, de 75 anos, faz parte da rotina. Enfrentando um câncer de intestino há mais de seis anos, ele conta com o Sistema Único de Saúde (SUS) da sua cidade, Bom Jesus da Penha, no Sul de Minas Gerais, para manter o tratamento. “A Prefeitura me busca em casa, na hora agendada, e me leva para o Hospital mais próximo. Graças a Deus nunca gastei nada”, relata. A realidade de Quito, como gosta de ser chamado, é semelhante a de moradores dos 226 municípios de Minas Gerais que, assim como Bom Jesus da Penha, dependem exclusivamente do SUS. O Estado é o que possui maior número de cidades sem nenhum serviço médico particular no país.

O dado do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) pode ser explicado por diversas razões. Mesmo Minas Gerais sendo o estado brasileiro com maior número de municípios, a quantidade por si só não seria suficiente para colocar Minas no pódio do levantamento. “O Estado tem um contingente alto de municípios pequenos, com poucos habitantes, baixa renda e baixo nível de industrialização, o que corrobora para essa situação”, explica o Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, pesquisador da Fiocruz Minas, Fausto Pereira dos Santos.

De acordo com ele, que também é ex-Secretário Estadual de Saúde de Minas Gerais (2015-2016), a situação econômica dos municípios, com poucos habitantes, não atrai o setor privado de saúde. “As operadoras de planos privados, por questão de demanda e oferta de serviços, não privilegiam esses municípios. Algumas cidades não possuem empresas suficientes para demandar planos de saúde empresariais”, explica. “Em outras, as pessoas não têm mesmo dinheiro para custear”, conclui.

Sendo assim, fica à cargo exclusivo do SUS cumprir com toda a demanda de saúde de 26% do território mineiro. Para potencializar o atendimento e minimizar casos em que os moradores precisam percorrer longas distâncias, uma das soluções defendida pelos especialistas é a regionalização do acesso à saúde. Nessa estratégia, são definidos territórios e redes de saúde, como grupos de municípios próximos um do outro. A atenção básica, isto é, aquela primeira avaliação e acompanhamentos de rotina da Estratégia de Saúde da Família (ESF) ou em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), é responsabilidade do próprio município. Agora, quando são casos de média e alta complexidade, os pacientes são encaminhados para hospitais e clínicas dos municípios da região.

“A regionalização é vital para o SUS responder melhor à demanda de saúde desses municípios. Um município que tem ao menos 80 mil habitantes já pode se tornar um polo de atenção para as cidades do entorno”, ressalta Santos. Para o pesquisador, não é viável que todos os municípios atendam a todas as especialidades e ferramentas médicas, e, por isso, contar com a assistência de cidades próximas dá certo.

“Alguns equipamentos são muito sofisticados, são medicamentos caros e procedimentos difíceis, que precisam ter demanda para de fato fazer sentido. Então, se existe a possibilidade de organizar um serviço por região, que ofereça hemodiálise, leitos de UTI, entre outros, é a melhor opção”, explica. Outro benefício da regionalização seria diminuir o tempo de deslocamento de um paciente para ser atendido.

É o caso do Seu Francisco, que é transportado pela Secretaria de Saúde de Bom Jesus da Penha, no Sul de Minas, onde mora, até o hospital de Passos, há 40 minutos de casa. “É muito tranquilo, o pessoal cuida de mim muito bem. Já tive um infarto e me atenderam, a Prefeitura me levou até o Hospital para que ficasse na UTI”, lembra. “Tudo o que a gente procura, tem”, agradece.

Em Bom Jesus da Penha, onde mora Seu Francisco e pouco mais de 4 mil habitantes, são três Unidades Básicas de Saúde (UBS) e um Pronto-Atendimento (PA). “Funciona como um tripé, com base federal, estadual e municipal. Fazemos o atendimento básico na cidade e, quando são casos mais complexos, como de cirurgia, os moradores procuram a Secretaria de Saúde onde é feito o encaminhamento para hospitais mais próximos”, explica o vice-prefeito da cidade, Miquéias Júnior Madeira (PSD).

Um caso de regionalização que funciona, Miquéias concorda que não vê necessidade de um hospital na cidade. “Pelo tamanho da nossa cidade e pela assistência que a Secretaria de Saúde oferece, não vejo que precisa. Quando surge demanda, nós encaminhamos, e fica perto”, afirma. O município tem ainda o benefício de algumas especialidades, como pediatria, ortopedia, ginecologia, cardiologia e dermatologia. Só em 2022, foram 500 atendimentos de ginecologia e 150 oftalmológicos na cidade.

De acordo com o especialista Fausto Pereira dos Santos, a atenção em saúde em um município pequeno, dependente do SUS, é muito diferente de uma cidade grande, com mais meios de assistência. “Há uma preocupação especial com o transporte dos pacientes que precisam de atendimentos mais complexos, prestando atenção no agendamento dessas pessoas, na organização com as outras cidades. Além disso, a relação dos moradores com o agente de saúde se torna de rotina, viram próximos, amigos”, explica.

Nesses casos, os agentes de saúde costumam ser vizinhos dos pacientes, fazendo parte da comunidade e acompanhando mais de perto a rotina de saúde. Para Seu Francisco, a relação é de cuidado. “Eu fico orgulhoso com a saúde aqui da cidade, como cuidam da gente. Graças a Deus, em Bom Jesus, somos muito bem acolhidos”, diz.

Quando a demanda chega em Belo Horizonte

De acordo com a subsecretária de Atenção à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Taciana Carvalho, a capital recebe pacientes de média e alta complexidade encaminhados de ao menos 700 municípios mineiros. Isso por meio da Programação Pactuada Integrada (PPI). “BH possui uma oferta para municípios do interior de acordo com a capacidade e pelo instrumento de programação do SUS. Assim, o município do interior referencia a capital para recebermos o paciente”, explica Carvalho.

Ainda de acordo com a subsecretária, o número de municípios é grande porque, apesar de Belo Horizonte fazer parte de uma processos de regionalização do atendimento em saúde, em alguns casos, dependendo da complexidade da assistência, abre-se a oferta para cidades além das regionais. Além disso, a capital conta com hospitais de urgência e emergência porta-aberta, isto é, funcionam 24h atendendo sem distinção.

“Na assistência de urgência e emergência, cerca de 15 a 20% dos pacientes vêm de municípios do entorno”, afirma. Mesmo assim, a subsecretária não vê este como um dos motivos de sobrecarga no sistema de saúde da capital. “Todas as marcações de atendimento são organizadas por meio da Secretaria de Estado de Saúde de Minas, há um planejamento e cumpre-se as vagas de acordo com a demanda”, explica.

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