Antes da eleição da atual cúpula do Senado, Minas tinha ocupado apenas o quinto lugar em recursos totais empenhados
Estado deve receber R$ 662,1 mi via orçamento secreto, feito com critérios políticos, sem a transparência adotada na transferência de outros recursos do orçamento federal
Segundo maior colégio eleitoral do Brasil, Minas Gerais saltou de quinto lugar, em 2020, para o principal destino de emendas do orçamento secreto neste ano. A virada ocorreu após a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a presidência do Senado, em fevereiro. A partir daí, prefeituras e o governo do Estado lideraram tanto indicações de repasses feitos pelo relator-geral do Orçamento quanto pagamentos executados pelo governo federal.
No comando do Congresso, Pacheco trabalha por uma possível candidatura à sucessão do presidente Jair Bolsonaro, em 2022. Está prestes a mudar de partido, do DEM para o PSD, e procura ocupar o vácuo na política de Minas. O orçamento secreto, revelado pelo Estadão em maio, é composto pelas chamadas emendas de relator. São verbas extras distribuídas a aliados, de acordo com critérios políticos, sem a transparência adotada na transferência de outros recursos do orçamento federal.
Nessa modalidade, governo e Congresso “ocultam” os nomes dos parlamentares contemplados com cotas que excedem as tradicionais emendas parlamentares. Para obter os dados, o Estadão recorreu à Lei de Acesso à Informação (LAI) e, mesmo assim, não recebeu todas as informações solicitadas.
Pacheco foi um dos 20 senadores que alegaram motivos diversos para não mostrar à reportagem, em abril, as solicitações feitas ao governo para repasses de verbas referentes a emendas de relator-geral, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Regional. Até hoje o recurso apresentado pela reportagem ao Senado, por meio da LAI, não foi respondido.
Conforme planilhas elaboradas pelo relator do Orçamento – obtidas pelo Estadão por meio da LAI –, Minas deve receber R$ 662,1 milhões, montante superior à quantia indicada para São Paulo (R$ 513,6 milhões) e Bahia (R$ 363,1 milhões).
As verbas apontadas pelo relator-geral do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (MDB-AC), até junho estão reservadas nos caixas dos ministérios do Desenvolvimento Regional, da Agricultura, da Saúde e da Cidadania. As planilhas enviadas ao governo, no entanto, omitem os nomes dos parlamentares por trás das indicações. Revelam apenas Estados e municípios beneficiados. O Estadão pediu informações sobre os solicitantes e o destino dos outros R$ 11 bilhões, mas não obteve resposta de Bittar.
Mudança
No ano passado, antes da eleição da atual cúpula do Senado, Minas tinha ocupado apenas o quinto lugar em recursos totais empenhados, de acordo com tabela do Tribunal de Contas da União (TCU). A mudança no patamar de influência nas indicações de emendas é visível no gabinete da presidência da Casa. Nas últimas semanas, a reportagem registrou um fluxo constante de políticos mineiros no local, em busca de verbas para obras, compra de máquinas pesadas, ações sociais e investimentos em saúde.
Um parlamentar que conversou com o Estadão, sob a condição de anonimato, disse que, durante evento há cerca de dois meses, Pacheco perguntou se ele estava precisando de ajuda para enviar recursos a municípios. A oferta foi feita para deputados de Minas e de outros Estados, segundo relatos.
Além das indicações de Bittar, que ainda precisam ser efetivadas pelo governo federal, Minas já desponta com mais pagamentos de emendas de relator-geral, efetuados neste ano, incluindo restos a pagar de 2020. Com um volume total de R$ 552 milhões – ou 10% do total pago pelo Executivo com o orçamento secreto entre janeiro e agosto. O Estado aparece à frente da Bahia (R$ 529 milhões) e de São Paulo (R$ 511 milhões). No ano passado, as prefeituras e o governo mineiro ocuparam o terceiro lugar em recursos pagos. Os dados foram obtidos no site Siga Brasil, do Senado.
‘Demandas’
À reportagem, Pacheco disse que o volume de verba destinada a Minas demonstra o empenho da bancada federal. “Além de trabalhar no ordenamento jurídico do País e fiscalizar com independência o uso do dinheiro público, é papel do parlamentar viabilizar recursos para municípios e Estados, com o intuito de melhorar a qualidade de vida da população”, afirmou o presidente do Senado. “As demandas são avaliadas, caso a caso, pelo relator e posteriormente pelo Executivo, responsável pela execução orçamentária.”
Minas possui 853 municípios – o Estado é estratégico para consolidar uma eventual candidatura de Pacheco ao Planalto. O presidente do Senado tenta construir o domínio local e se aproximou do PSD, que tem o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, pré-candidato a governador, e outros dois senadores de Minas, Antonio Anastasia e Carlos Viana. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse acreditar que o “perfil mais moderado” de Pacheco pode romper a polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Mas o discurso de Pacheco de defensor da harmonia entre os poderes é questionado por congressistas. Em julho, por exemplo, o presidente do Senado provocou mal-estar entre os senadores por não sair em defesa imediata do presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), atacado pela cúpula das Forças Armadas. Apenas depois de pressão, Pacheco defendeu o colega.
A falta de transparência e o uso político do Orçamento têm sido questionados por partidos, que apresentaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) ações para que as emendas de relator-geral sejam consideradas inconstitucionais e seus pagamentos, suspensos.
O Estado de São Paulo