Comunidades dependem da água, que pode ser contaminada ou até secar pela atividade minerária
A maioria das famílias que vivem na região do Vale do Bananal, em Salinas, no Norte de Minas, dependem da agricultura familiar para sobreviver. São pequenos produtores de, entre outros produtos, leguminosas, hortaliças e da tradicional cachaça que leva o nome do município, considerada uma das melhores do Brasil. Com o avanço da mineração no território, os moradores temem os impactos sociais e econômicos.
Sinvaldo Ferreira de Oliveira, de 73 anos, vive próximo à área onde a mineradora Belo Lítio estuda explorar o mineral que dá nome à empresa, considerado um dos mais estratégicos da atualidade, por depender dele a indústria de baterias para a produção de carros elétricos. Para ele, as consequências serão devastadoras.
“Nós temos cerca de 600 produtores rurais na região. Nossos principais medos são em relação ao impacto ambiental, principalmente em relação à água. Nós produzimos alface, pimentão, feijão, mandioca, milho e muito mais. Sem dúvida nenhuma, esses trabalhadores vão sofrer muito. Querem transformar o Vale do Bananal em ‘Vale do Lítio’”, comenta Sinvaldo.
Outra moradora da região, a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Salinas, Ateir Pereira da Penha Souza, de 61 anos, possui as mesmas preocupações.
“A empresa chega dizendo que vai aumentar a renda, criar empregos, que ‘vai ser muito bom’. É muita promessa bonita para ‘envenenar’ as pessoas. Eu chamei a Belo Lítio para conversar, mas a mineradora não respondeu nenhuma pergunta sobre os impactos, só disse que precisam deixar o território como eles encontraram, mas não garantem nada. Nós sabemos que nos outros municípios, as mineradoras deixam a cava a céu aberto e nunca mais se recupera”, avalia.
“São muitos os produtos que vêm da região e a Belo Lítio atua bem próxima das comunidades. A água já é pouca e corre o risco de ser contaminada”, complementa Ateir Pereira.
Atualmente, a produção da região do Vale do Bananal é responsável pelo abastecimento de praticamente todo o município de Salinas, que possui mais de 40 mil habitantes.
Produção de cachaça também pode ser impactada
Salinas é conhecida nacional e internacionalmente como a capital mundial da cachaça e possui aproximadamente 50 alambiques. Segundo a Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça de Salinas (Apacs), anualmente, a atividade movimenta cerca de R$3 milhões da economia local.
Parte dos alambiques de produção da cachaça estão localizados em uma das serras do Vale do Bananal, onde as mineradoras querem explorar o lítio. Entre os mais conhecidos da região, estão os que produzem a “Seleta”, a “Boazinha” e a “Saliboa”, além de outros alambiques menores.
Com o avanço da mineração no território, Luiz Paulo Siqueira, biólogo e da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), avalia que a produção de cachaça será inviabilizada.
“O projeto mais avançado é o da Belo Lítio, mas tem outras empresas que também vão entrar com processo de licenciamento. Ou seja, vão destruir a serra inteira e acabar com água. Se não tem água, não tem produção, nem de comida, nem de cachaça. Como vai produzir cachaça sem o plantio de cana? Isso representa um risco cultural, para a economia local, para a fonte de renda dos produtores e para a qualidade de vida no território”, enfatiza.
“Vale do lítio”
No ano passado, o governador de Minas, Romeu Zema (Novo) lançou na bolsa de valores Nasdaq, em Nova Iorque, o projeto Vale do Lítio, que consiste na tentativa de ampliar a exploração de lítio nas regiões Norte, e nos vales do Jequitinhonha e Mucuri.
A proposta engloba 14 municípios que possuem as maiores reservas do mineral no país: Araçuai, Capelinha, Coronel Murta, Itaobim, Itinga, Malacacheta, Medina, Minas Novas, Pedra Azul, Virgem da Lapa, Teófilo Otoni e Turmalina, Rubelita e Salinas.
Fundamental para a fabricação de baterias, carros elétricos, e outros bens tecnológicos, o lítio é considerado estratégico, inclusive para o setor energético, já que é utilizado como insumo de reatores nucleares e consegue armazenar energia elétrica de fontes renováveis. Ainda assim, Romeu Zema aposta na exploração privada do mineral.
“Com isso, a gente passa a ter um território estratégico internacionalmente, atraindo empreendimentos que respondem a uma perspectiva desenvolvimentista, mas que internalizam os lucros e externalizam os impactos sociais e ambientais. Ou seja, que não têm nenhuma intenção de partilhar minimamente o benefício”, avaliou a geógrafa Aline Weber Sulzbacher, em entrevista ao Brasil de Fato MG.