A mudança das regras referentes ao abono do PIS/Pasep, concedido anualmente aos trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários mínimos, afetará 21 milhões de brasileiros se a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência for aprovada; o pagamento é proporcional ao tempo trabalhado no ano anterior, e o propósito histórico do abono é aprimorar distribuição de renda, contribuindo para a redução das assimetrias sociais
Do Brasil de Fato – A mudança das regras referentes ao abono do PIS/Pasep, concedido anualmente aos trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários mínimos, afetará 21 milhões de brasileiros se a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência for aprovada. O pagamento é proporcional ao tempo trabalhado no ano anterior, e o propósito do abono é aprimorar distribuição de renda, contribuindo para a redução das assimetrias sociais.
A proposta de Jair Bolsonaro (PSL) foi criticada por Saulo Arcangeli, da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal do Ministério Público da União (Fenajufe), dirigente da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal do Ministério Público da União (Fenajufe), durante audiência pública ocorrida nesta segunda-feira (25) no âmbito da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado.
A reforma proposta pelo governo federal altera a norma de concessão do abono para determinar que a liberação seja somente para trabalhadores que recebem até um salário mínimo. Arcangeli compartilhou cálculos recentes do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) segundo os quais a mudança tende a fazer a economia brasileira perder R$ 27,7 bilhões de movimentação.
O dirigente ressaltou o que chama de “caráter excludente” da reforma, que foi apresentada oficialmente ao Congresso Nacional na última quarta-feira (20). Arcangeli salientou que a reforma, que tramita sob o nome de PEC 6/2019, estimula ainda outras distorções.É o caso, por exemplo, da alteração das normas do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que atualmente consiste no pagamento de um salário mínimo para idosos e pessoas com deficiência que não tenham condições de se manter ou de serem sustentados por familiares.
A proposta de reforma da Previdência altera a regra para determinar que a idade mínima para a liberação integral do BPC a idosos salte de 65 para 70 anos, com possibilidade de concessão de R$ 400 a partir dos 60 anos. O valor representa menos da metade do salário mínimo atual, que é de R$ 998.
“É uma reforma para atacar os mais pobres, os trabalhadores. É uma reforma para garantir os privilégios dos banqueiros. Eles querem, mais uma vez, colocar a conta para os trabalhadores, e principalmente os trabalhadores mais pobres”, criticou Arcangeli.
Os participantes da audiência trouxeram também outras críticas à PEC, como as alterações na idade mínima para requerer aposentadoria, que seria de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, com tempo mínimo de contribuição de 20 anos.
Além disso, eles expuseram os problemas da mudança na faixa etária de trabalhadoras rurais, que hoje podem se aposentar a partir dos 55 anos e, pela PEC, passariam a ter direito somente aos 60 anos.
O tempo de contribuição dos trabalhadores rurais ao INSS também é alterado, independentemente do sexo, passando de 15 para 20 anos.
Fisco
O diretor de Formação Sindical e Relações Intersindicais da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Francelino das Chagas Valença, relativizou o discurso oficial do governo de que a Previdência social amarga um déficit atual de R$ 195,2 bilhões. Ele sublinhou que a estimativa de sonegação fiscal referente a 2018 chegou ao patamar de R$ 570 bilhões. Além disso, ressaltou que a média de renúncias fiscais concedidas pelo Estado em relação à Previdência social é de R$ 142 bilhões.
Considerando todas as potenciais receitas do caixa da Previdência pública – que incluem, por exemplo, tributação de lucros e dividendos, desvinculação das receitas da União (DRU), CSMF, entre outras fontes –, a Fenafisco calcula que o superávit poderia chegar a R$ 603,8 bilhões.
Valença lembrou que, apesar de propor, com a PEC 6/2019, impedimentos para a aposentadoria da classe trabalhadora, o governo não apresentou um plano de atuação para combater a sonegação fiscal.
“O Estado teria discricionariedade pra abrir mão de dinheiro publico? Essa é uma pergunta que a gente tem que fazer. Os estudos que nós temos apontam que benefício fiscal termina sendo cooptação do poder político pelo poder econômico”, questionou o diretor.
Disputa de narrativa
Os especialistas ouvidos nesta segunda-feira pelo Senado compartilharam ainda outras preocupações junto à Comissão de Direitos Humanos (CDH), que ouvirá também representantes do governo em outra audiência a ser agendada.
O coordenador nacional do Movimento Acorda Sociedade (MAS), Clodoaldo Neres Júnior, enfatizou que a população é alvo de uma campanha midiática que não explicitaria os reais problemas do sistema previdenciário.
Ele afirmou que esse é um dos principais pontos de preocupação das 129 entidades que compõem o MAS. O coordenador lembrou que esse processo também ocorreu durante a tramitação da PEC 287, que trazia a proposta de reforma da Previdência do governo de Michel Temer (MDB): “A maioria da nossa imprensa não está permitindo o contraponto. Isso é uma guerra assimétrica de informação, e só quem tende a perder é a classe trabalhadora. Então, estamos aqui pra alertar, denunciar retrocessos e mobilizar para o debate. Ela [a reforma] terá o mesmo destino da PEC 287: a lata do lixo”.
Para Pedro Armengol, da Secretaria de Relações de Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a disputa de narrativa tende a ser o grande desafio a ser superado pelo campo democrático para barrar a PEC do governo Bolsonaro.
“Temos a consciência de que temos que abrir um canal de diálogo com a sociedade brasileira, que está sendo manipulada por uma narrativa falsa, mentirosa. Essa é grande disputa que nós temos que fazer na sociedade”, defendeu.
Segundo o dirigente, um dos próximos passos das centrais sindicais é a criação de comitês estaduais e locais para investir na mobilização popular contra a reforma nas diferentes regiões do país.