Francisco recorreu às palavras de dom Helder Câmara, para pedir “uma colaboração generosa e apaixonada no anúncio da boa-nova”
Papa Francisco dá sua mensagem natalina: cuidar dos próximos (L’Osservatore Romano)
Dom Hélder, aquele que chamavam de comunista
Em discurso à Cúria romana, Francisco exalta o arcebispo brasileiro a caminho da canonização
Dom Hélder e o papa Francisco cometeram o mesmo ‘pecado’: denunciar um sistema que gera pobreza
Luis Miguel Modino*
No Discurso à Cúria Romana para as Felicitações de Natal, pronunciado segunda-feira, que tradicionalmente tem sido uma oportunidade para nos mostrar a dimensão profética de um Papa que não duvida em denunciar os pecados da Igreja, Francisco refletia de novo sobre a importância do pobre na vida daquele que quer caminhar com Deus. Em suas palavras, ele afirmava que “só conhece verdadeiramente a Deus quem acolhe o pobre que vem de baixo com a sua miséria e que, precisamente nestas vestes, é enviado do Alto; não podemos ver o rosto de Deus, mas podemos experimentá-lo ao olhar para nós quando honramos o rosto do próximo, do outro que nos ocupa com as suas necessidades”.
Alguém que se posicionou em favor do cuidado e da defesa dos mais pobres foi Dom Helder Câmara, um dos bispos mais destacados da Igreja do Brasil no século XX. Lembrando que “os pobres são o centro do Evangelho”, o Papa Francisco recordava, sem citar o nome, as palavras daquele de quem tem sido iniciado seu processo de canonização, mas que no coração do povo e do Papa, ele é santo: “recordo o que dizia aquele santo bispo brasileiro: “Quando me ocupo dos pobres, dizem de mim que sou um santo; mas, quando me pergunto e lhes pergunto: ‘Por que tanta pobreza?’, chamam-me ‘comunista’”.
Aqueles que chamavam comunista a Dom Helder, ou os filhos deles, são os mesmos que hoje chamam comunista ao Papa Francisco. Os dois cometeram o mesmo “pecado”, denunciar um sistema que gera pobreza. O poder político e econômico são frequentemente aliados, fazendo com que o sofrimento se espalhe no meio daqueles que a sociedade coloca do lado de fora. A pandemia tem escancarado mais uma vez essa realidade, como dizia o Papa Francisco à Cúria, lembrando suas palavras pronunciadas no dia 27 de março: “A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades”.
Em suas palavras, seguindo o escrito em Fratelli tutti, o Papa Francisco lembrava “como é importante sonhar juntos! (…) Sozinho, corres o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos”. Suas palavras nos lembram uma frase de Dom Helder, escrita numa carta endereçada a Jerônimo Podestá, no início dos anos 80: “Quando se sonha sozinho é apenas sonho. Quando sonhamos juntos é apenas o começo da realidade”. Podemos dizer que Dom Helder foi alguém que teve a capacidade de construir caminhos comuns, a partir dos pequenos, dos que não contam, mostrando que a soma dos pequenos constrói coisas grandes, igual Jesus nos mostra no Evangelho.
Dom Helder, exemplo de uma Igreja presente nas periferias geográficas e existenciais, que vivia de maneira simples na Igreja das Fronteiras, nunca se afastou dos pobres, mesmo sendo perseguido abertamente pela Ditadura Militar, que foi instaurada no Brasil, pouco tempo depois dele ser nomeado arcebispo de Olinda e Recife. Vigiado dia e noite, com proibição expressa de citar seu nome na imprensa, ele nunca deixou de denunciar no exterior o que estava acontecendo no Brasil, se tornando uma pedra no sapato de um sistema que ao longo de 20 anos provocou censura rigorosa, perseguições políticas, prisões arbitrárias, torturas e mortes nos cárceres. Mesmo assim, mesmo diante de tantas crises vividas, ele sempre ficou firme e do lado dos pobres, no caminho da santidade.
*Luis Miguel Modino, espanhol da província de Castilla y León, é pároco na Diocese de São Gabriel da Cachoeira, em Manaus
Via Dom Total
“Feliz Natal, mas que seja feliz e causa de felicidade para todos os filhos e filhas de Deus…”
“Gosto de pensar o Natal como um ato de subversão…
– Um menino pobre;
– Uma mãe “solteira”;
– Um pai “adotivo”;
– Quem assiste seu nascimento é a ralé da sociedade (pastores);
– É presenteado por gente “de outras religiões” (magos, astrólogos);
– A “família” tem que fugir e viram refugiados políticos;
– Depois volta e vai viver na periferia.
O resto, a gente celebra na Páscoa… mas com a mesma subversão…
Sim! A revolução virá dos pobres! Só deles pode vir a salvação!
Feliz Natal!
Feliz subversão!”
Dom Helder Câmara