“O dólar subiu e o capital internacional fugiu da Bolsa porque a China e os EUA estão em disputas comerciais. Não tem nada a ver com a ruptura institucional, com o Estado de Exceção, com a insegurança jurídica causada por um judiciário apequenado, com o governo dos milicianos”, diz o jurista Wilson Ramos Filho, sobre a cegueira da opinião pública de grife que segue na amargura do antipetismo
Com o dólar a R$ 4,20, e subindo, “não dá para ir toda hora pra ‘Maiami’ comprar terno” (como reclamou o líder da magistratura tempos atrás) ganhando apenas trinta mil reais por mês, um miserê (lembram do porta-voz da insatisfação do MP?), nem para “voltar à dísnei” com as crianças, como desejava o cartaz exibido em uma das manifestações dos abobados.
Mas a magistratura, o ministério público e o empresariado não conseguem estabelecer a correlação entre o Golpe de 2016, a perseguição ao Lula, a eleição do Coiso, e a alta do dólar, o fim das políticas públicas e destruição do mercado interno pela transferência de renda dos mais pobres aos mais ricos.
Os servidores públicos também não conseguem estabelecer a relação entre a perda de direitos e as escolhas eleitorais que fizeram. Os empregados de estatais que votaram no Coiso (“o PT não dá mais, né?”) não admitem que as privatizações decorrem das suas escolhas. Os que não se aposentarão, os que estão em desemprego, os que não têm mais clientes, os que não terão mais concursos, os que experimentam nas periferias a desabrida repressão policial imoderada, os que se assustam com o assassinato de moradores de rua por comida envenenada, os que lamentam o desmatamento da Amazônia, Brumadinho, praias tomadas por petróleo, o aumento do feminicídio, a precarização dos empregos, a entrega das riquezas nacionais ao capital internacional, etc, também não conseguem vislumbrar a relação de causa e efeito entre suas opções políticas (e ideológicas) nas eleições de 2018 e a destruição do futuro.
A culpa sempre é dos outros. Os cretinos que marcharam de verde e amarelo, os formalistas que sustentaram que “impeachment não é golpe”, os que apoiaram e ainda sustentam a Lava-Jato, os que acharam bonito o combate à corrupção ainda que à custa das garantias constitucionais, não se sentem ainda responsáveis pelo que estamos todos sofrendo.
A reforma trabalhista que retirou direitos de quem vende a força de trabalho não gerou os empregos prometidos, a reforma da previdência não atraiu o capital internacional, as privatizações não aqueceram a economia, mas os eleitores do Coiso e os que se omitiram no Golpe não se sentem responsáveis. A culpa é sempre dos outros.
A culpa é do PT “que ampliou o mercado consumidor mas não investiu na consciência de classe”, “que indicou a maioria dos ministros das Cortes superiores”, “que não conseguiu assegurar a governabilidade”, “que sucumbiu ao presidencialismo de coalisão”, “que não faz autocrítica”, “que é hegemonista”, “que tolerou a corrupção”, “que permitiu a proliferação das igrejas evangélicas”, “que não quebrou o monopólio da mídia”. A culpa pelo estupro da menina é dela mesma, da opção por usar mini-saia e estar em má-companhia, dizem os violadores.
A culpa é dos outros. O Brasil virou a pátria dos inconsequentes. A responsabilidade é sempre dos outros. Não importa quem sejam os outros. A propósito: o dólar subiu, o capital internacional fugiu da Bolsa, porque a China e os EUA estão em disputas comerciais. Não tem nada a ver com a ruptura institucional, com o Estado de Exceção, com a insegurança jurídica causada por um judiciário apequenado, com o governo dos milicianos. A responsabilidade pela alta do dólar (vale hoje o dobro do que valia em 2013, início das mobilizações golpistas) que tanto incomoda a Direita Concursada e a classe média não guardaria relação com o Golpe, com o impedimento da candidatura de Lula, com a Lava-Jato, com a eleição do Coiso. Não conseguem, inconsequentes, ver relação de causa e efeito, irresponsáveis, não se sentem culpados por suas ações e por suas omissões.
- Wilson Ramos Filho é jurista, professor e escritor