Em tempos onde as “irmãs siamesas” ética e moral agonizam em nossa República, confesso que pensei em escrever algo que realmente pudesse impactar o leitor, não apenas pela razão, antes, contudo, por força da emoção. Proponho aqui um exercício dialético com as vozes que ecoam do coração. O essencial, por vezes, é invisível aos olhos!
* Por Marcelo Eduardo Freitas
Nasci e fui criado na zona rural. Estudei em escolas públicas durante toda a minha vida. Na infância, os cadernos ainda tinham fotos de candidatos. Era a única maneira de escrevermos em papel. Sem eles, só nos sobravam o quadro, as paredes e as pedras na beira do rio, onde escrevíamos com o toá, uma espécie de torrão que saciou a fome anêmica de muitos de minha geração. Eram tempos de muitas águas. Confesso, no entanto, que jamais vi ou ouvi os candidatos com os quais estudei. Eram todos de locais distantes que, admito, nunca imaginei estar.
O tempo, no entanto, não só cura a alma, mas também nos reconcilia com o futuro que logo vira passado. Não sem razão, em Esaú e Jacó, Machado de Assis o define como “um rato roedor das coisas, que as diminui ou altera no sentido de lhes dar outro aspecto”. O estudo deu uma outra feição à minha vida!
Hoje, homem feito talvez, ainda observo com um olhar nostálgico os tempos idos. Mas sinto no peito a mesma tristeza de outrora. Uma dor aguda. A situação do Norte de Minas ainda permanece inalterada! Os incautos dessas bandas, acreditem, ainda elegem barões de outros lados de nosso Estado e da capital. Alguns, registro, nunca sentiram o calor do norte, a poeira vermelha, a seca, a fome, a exclusão, a ausência de saúde, o sofrimento do sertanejo.
Caro leitor, Dante Alighieri, “o sumo poeta” italiano, dizia que “no inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. É inaceitável o silêncio de homens e mulheres considerados de bem, quando confrontados com o que se denomina “candidato paraquedista”, assim considerado aquele que só aparece em época de eleição. Em uma linguagem bem simples, são aqueles candidatos que residem em uma região bem longe da nossa e, sem pudor, vêm pedir votos em nossas casas. Passada a apuração, nunca mais o veremos!
É deprimente e causa náuseas observar diversos prefeitos apoiarem candidatos de fora, sem qualquer compromisso com a região. Não tenho receio em afirmar que a miséria que historicamente causa desgraça aos cidadãos dessas bandas pode ser tributada à baixíssima representatividade que historicamente ostentamos. Quem é de fora, meus amigos, não tem compromisso com a sua saúde pública, com a segurança pública de sua cidade, com a educação pública de seus filhos.
Incontáveis vezes vi e ouvi relatos de pessoas que, por absoluta inexistência de Atenção Básica à Saúde (ABS), presenciaram a dor da morte em ambulâncias a caminho da cidade de Montes Claros. Crianças que faltam às aulas por ausência de merendas nas escolas. Famílias que se findam em trágicos acidentes causados pela escassez de boas estradas. Segurança pública sendo enaltecida com o aporte de uma viatura policial à “frota” da cidade. É simplesmente ultrajante! E nesse período do ano a desgraça aumenta! Observo em redes sociais e em jornais impressos a cara de pau de vereadores, prefeitos e líderes comunitários que se gabam em receber uma ambulância, um trator, um caminhão como se fosse um verdadeiro benefício para a comunidade. Isso é, em verdade, uma tremenda vergonha!
Meus amigos, isso não melhora em absolutamente nada as suas cidades! É um engodo, uma grande enganação, uma farsa para buscar novamente o seu voto e entregar-lhe a forasteiros, gente de fora. Se querem discutir saúde pública, indaguem a seus representantes sobre quem irá atender a sua família quando faltar-lhes a saúde. Para qual hospital serão levados os seus entes queridos quando sobrevier a doença. Perguntem a seu prefeito sobre o índice de desenvolvimento humano de sua cidade, sobre o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da escola de seus filhos e o que, concretamente, tem sido feito para melhorá-los.
“Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. Entretanto, em nossa região, a coisa tem sido muito feia! Há uma maneira, contudo, de enfrentar esse quadro. Comece vomitando na cara de quem engana o povo, de quem mente deslavadamente para o eleitor, de quem não respeita a consciência do cidadão e compra votos como se fosse bananas. Basta!
É possível mudar! É preciso renascer de forma muito parecida com o que faz a nossa vegetação todos os anos, mesmo quando as vidas pareçam áridas. Como o espaço é curto, a revolta é grande e a esperança persevera, só nos resta concluir essa provocação ao debate com as palavras de José Saramago: “Eu tinha dito que iria propor tirar a palavra utopia do dicionário. Mas, enfim, não vou a tanto. Deixe ela lá estar, porque está quieta. O que eu queria dizer, é que há uma outra questão que tem de ser urgentemente revista. Tudo se discute neste mundo, menos uma única coisa: a democracia. Ela está aí, como se fosse uma espécie de santa no altar, de quem já não se espera milagres, mas que está aí como referência. E não se repara que a democracia em que vivemos é uma democracia seqüestrada, condicionada, amputada”. É assim nestes sertões das gerais!
(*) Delegado de Polícia Federal e Professor da Academia Nacional de Polícia