* Por Gilmar Ribeiro dos Santos

A normalização da ilegalidade de parte significativa das atitudes do Presidente da República ao longo do seu mandato é uma realidade incontestável nesses tempos frenéticos de redes sociais. Completavam exatos 64 dias de mandato quando o presidente publicou a cena do golden shower no twitter oficial do chefe do poder executivo, plataforma aberta, inclusive, para crianças e adolescentes. Nos seus 1357 dias de mandato, até o momento, o presidente cometeu centenas de crimes, parte deles documentada em vídeo e acessíveis em segundos pelas redes sociais.
A pergunta do último Datafolha, sobre a possibilidade de eleitores deixarem de votar por medo de violência política pode reforçar uma estratégia, cara ao bolsonarismo, desde a campanha de 2018. O medo é elemento central para ascensão e manutenção do poder autoritário. A liberdade reivindicada pelos “cidadãos de bem” custa a disseminação do medo para a grande maioria da sociedade. Quem deve se armar, andar livremente e mesmo votar de forma destemida são os eleitores do presidente. A insegurança e o medo ficam para a oposição.
Amedrontar a oposição com a perspectiva de confrontos em atividades de campanha, em manifestações individuais de preferências partidárias e principalmente no exercício do voto é um recurso histórico da direita. Além da violência de fato, o mesmo foi largamente utilizado na Itália das primeiras décadas do século XX. Em momentos de crises agudas a sociedade democrática precisa enfrentar a violência de governos autoritários com recursos diferenciados.
O momento é de resistir perante as tentativas de impedir o direito de manifestação e em especial o exercício do direito de votar. Violência localizada sempre existiu nas eleições brasileiras, mesmo depois da redemocratização. Os crimes de ódio são novidades preocupantes, sendo assim, seus desdobramentos precisam de acompanhamento das forças progressistas nacionais e internacionais. No entanto o grupo hoje no poder está fomentando a violência como mecanismo de impedir direitos fundamentais de setores da oposição. Não sabemos qual efeito pode advir do chamamento à violência feito pelo presidente e seu filho mais engajado. Mas sabemos que a intimidação é o propósito principal. Divulgar a perspectiva de violência política nos moldes alarmistas de setores da grande imprensa pode favorecer a extrema direita nessas eleições de 2022. Os mais pobres, maioria esmagadora dos eleitores de oposição, não vivem em um país ideal em termos de violência. Somos um país violento, em especial com os mais pobres. A matança quase institucionalizada de jovens nas periferias de grandes e médias cidades do país, assim como de lideranças da luta pela terra, são dois exemplos da violência cotidiana em processo de normalização no país.
As grandes lideranças da extrema direita geralmente incitam os seus para executarem atos violentos e assim garantir a intimidação, imprescindível em sua perspectiva eleitoral. Nos moldes atuais da disputa a resistência mais eficaz, para a oposição, não pode ser a resposta violenta. Romper a institucionalidade é um desejo nem tanto implícito do presidente. A hora é de garantir o direito ao voto enfrentado as ameaças implícitas e explicitas e tentar registrá-las, seja em forma de prints, gravações de vídeo ou de áudio.
O desejo de enviar pelo menos parte oposição para a ponta da praia já foi exposto pelo presidente. O problema é quem vai dar a ordem explícita e quem vai executá-la. O medo deve estar com o presidente e seu grupo. O governo negligenciou e até zombou da opinião pública. No momento, com o intuito de manter o poder, a opção pela violência vai se impondo. No entanto, a duração de um governo imposto pela força pode ser vinte e um anos, vinte e um meses ou mesmo vinte e um dias. E depois? É melhor enfrentar a justiça com os crimes já praticados ou vale a pena acrescentar mais alguns na ficha? O dilema, ou o medo, deve ficar com o presidente e os seus. Aos democratas de fato cabe lutar de forma efetiva pela garantia do direito ao voto de todos os brasileiros e não caírem na armadilha do eleitor amedrontado.

* Gilmar Ribeiro dos Santos é cientista político graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais; especialista em Semiótica e Teorias do Discurso pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutor em Educação: História, Política e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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