O maior inimigo

 Francisco hoje é a voz da resistência aos falsos profetas do neoliberalismo e da violência da ultradireita, contra os fanáticos do Apocalipse e os graúdos donos do mercado. Suas palavras têm a força do açoite brandido por Cristo ao expulsar os mercadores do Templo. Do Brasil de Bolsonaro, Bergoglio só pode ser o maior inimigo.

 Por Mino Carta – Diretor de Redação de CartaCapitalDiretor de Redação de CartaCapital

Minha tia Bruna costumava dizer: “Não é preciso ser bolchevique para ser comunista”. Era Ph.D. em grego antigo, escreveu livros publicados na Itália, traduziu Teócrito, era crítica literária e manteve uma longa correspondência com Guimarães Rosa, um escritor brasileiro de dimensão mundial. E explicava: “Basta ser um cristão autêntico para ser comunista, igualdade foi o que pregou Jesus”.

No princípio da minha vida, o verbo da tia Bruna, de quem levei tapas enérgicos quando, nos meus flamantes 5 anos, recusava-me a sair de um baile à fantasia (perdoem a digressão), as palavras da tia, dizia eu, gravaram-se na memória.

Ocorre-me pensar nas invectivas do futuro presidente do Brasil contra os “vermelhos”. Talvez Bolsonaro pretenda englobar petistas e comunistas. Óbvia observação: o PT, vermelho na cor, nunca foi comunista, creio que Lula cogitasse de um laborismo à brasileira e até hoje vários petistas, tadinhos, sonham com a conciliação das elites.

Ao entrevistar Lula presidente no Palácio do Planalto no final de 2005, em pleno tempo de “mensalão”, ele negou ser de esquerda. Evoquei Norberto Bobbio, e lá no fundo a tia Bruna, para sublinhar que hoje em dia para ser de esquerda é suficiente defender a igualdade. “Bem – admitiu Lula –, se for assim sou esquerdista”.

Permito-me imaginar como Bolsonaro enxerga o papa Francisco: “vermelho” ou, simplesmente, comunista? Nesta quadra da história do mundo, o pontífice argentino é meu herói, o estadista reformador da Igreja Católica, depois do longo pontificado de João Paulo II, o “santo” de Ratzinger que eu creio envolto nas chamas do Inferno.

O IOR, banco do Vaticano, sob a batuta de Wojtila e do seu lugar-tenente Marcinkus, esmerou-se em lavar dinheiro sujo das mais variadas procedências, mafioso inclusive, enquanto esvaía em perfeito silêncio o escândalo da pedofilia sacerdotal e a devassidão da Cúria Romana devolvia o Vaticano à época dos Borgia.

Francisco hoje é a voz da resistência aos falsos profetas do neoliberalismo e da violência da ultradireita, contra os fanáticos do Apocalipse e os graúdos donos do mercado. Suas palavras têm a força do açoite brandido por Cristo ao expulsar os mercadores do Templo. Do Brasil de Bolsonaro, Bergoglio só pode ser o maior inimigo.

As perspectivas escancaradas desde já pelo futuro presidente encantam o mercado, a fraude evangélica, os fardados destinados à política. E na mídia aparece quem louve a política econômica de Pinochet. Inútil argumentar a respeito com súcubos e oportunistas.

Ninguém se espante se assistirmos logo mais à rendição ao novo governo e à demência das suas políticas. O conjunto da obra é de longe a mais avançada, no sentido de terrificante, experiência reacionária ensaiada nos últimos dois séculos do mundo ocidental.

Quanto este pobre país, rico por natureza, vai aguentar? Até que ponto haverá de chegar a percepção do desastre para que a maioria finalmente acorde? A julgar pelas tradições históricas, a soletrar a resignação de um povo constantemente humilhado até mesmo nas suas raízes étnicas, na miscigenação profunda desrespeitada pela minoria branca, não há como se esperar por uma solução de curto prazo, representada por uma centelha de consciência popular.

A história da humanidade registra, porém, momentos de revolta inesperada. Não há povos melhores ou piores, e sim circunstâncias históricas diversas. Sem pré-aviso, Saulo caiu do cavalo a caminho de Damasco, lembraria o papa Francisco.

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