– LUTA POR DIRETAS AVANÇA E UNE MULTIDÕES DE PORTO ALEGRE A SALVADOR –
– Depois de grandes atos no Rio de Janeiro e em São Paulo, o movimento por eleições diretas ganhou outras capitais neste domingo. Em Salvador, uma multidão de mais de 50 mil pessoas tomou o Farol da Barra (foto), um dos mais belos cartões-postais da capital baiana no final da tarde, ao som se artistas como Daniela Mercury e Margareth Menezes.
Em Porto Alegre, o ato aconteceu no Parque da Redenção, também com grande participação de artistas. Lá puxaram o coro nomes como Bagre e Ernesto Fagundes, Hique Gomez, Antônio Villeroy, Negras em Canto, Bebeto Alves, Nani Medeiros e Raul Elwanger.
Presidente da ‘Frente Suprapartidária pelas Diretas Já’, o senador João Capiberibe (PSB), do Amapá, disse que os atos vão continuar em todo o País, até Temer ser cassado ou renunciar.
“A ideia é isso: juntar, unir, ampliar os movimentos sociais, as centrais sindicais, o movimento da sociedade civil, artistas, personalidades, políticos, governadores, senadores, deputados, vereadores e representantes da comunidade diante do povo. É uma grande corrente pelas Diretas”.
DANIELA MERCURY: NÃO ACEITO ELEIÇÃO INDIRETA
A rainha do Axé Music fez discurso forte por eleições diretas na noite deste domingo no Farol da Barra, em Salvador; Daniela Mercury puxou as mais de 30 mil pessoas que foram protestar contra a permanência de Michel Temer no governo e pela possibilidade de eleições indiretas para escolha dum novo presidente quando ele cair; “A corrupção não resiste à democracia. A democracia é o melhor dos regimes. Então vamos mostrar que não desistimos de nós. Que não desistimos da democracia. A democracia não vence por nocaute, vence por pontos. Cada um de nós é um ponto pra democracia. Espero você agora no Farol da Barra. Não aceito eleição indireta. O único caminho pra democracia é um governo novo eleito pelo povo”, disse Daniela
Direta não é opção. É necessidade
* Paulo Moreira Leite
Não devemos nos iludir sobre o colapso brasileiro. Chegamos aquele ponto em que todos estão insatisfeitos e nenhum dos lados tem legitimidade para assegurar seu ponto de vista. O fracasso dos parlamentares e do presidente em exercício dispensa comentários.
O fiasco do Judiciário, escondido por ações da Justiça-Espetáculo, foi escancarado no julgamento do TSE. A rejeição da maioria dos brasileiros, que sentiu-se traída resultado, é um sintoma.
O problema também é grave do outro lado.
Mesmo cidadãos que, em nome do respeito as garantias individuais e da presunção da inocência, lembram que as delações usadas para acusar a chapa Dilma-Temer não foram submetidas ao devido processo legal — fronteira que separa civilização e selvageria desde a Revolução Francesa — admitem que temos aqui um problema de origem. O 4 a 3 foi uma decisão contaminada pelo casuísmo e pelo interesse político, o que lhe tira credibilidade. Pode-se até considerar correta do ponto de vista da teoria, mas não exibe nenhuma consistência do ponto de vista da prática jurídica e política no Brasil de 2017.
Com escrevi neste espaço, quando comentava o 4 a 3, vivemos numa situação sem saída na qual “o preço do certo é o errado.” (9/6/2017). Esta é a insustentável leveza do edifício institucional do país.
É possível enxergar um paisagem de escombros, onde há dois caminhos à frente.
Um deles é a continuidade provisória do governo Temer e sua queda mais do que provável sob direção do condomínio judiciário-midiático que vem acumulando poder desde a AP 470. Caso a queda se confirme, o plano é que seja substituído por um novo candidato escolhido pelos mesmos articuladores do golpe que afastou Dilma. O novo príncipe — agora sem a mais remota conexão com as urnas de 2014 — teria a incumbência de tocar as mesmas prioridades — a começar pelas reformas.
Como a prioridade real aqui não é preservar a democracia — mas um projeto econômico sem respaldo popular — pode-se apostar que todas as contradições que empurram Temer para fora o Planalto irão se manter, crescer e se multiplicar.
É fácil entender porque isso acontece. O traço mais revelador da profundidade da crise que enfrentamos reside na constatação de que nenhuma das partes em conflito na cúpula do Estado, numa disputa palmo a palmo — ou bilhões a bilhões, para ser mais claro — se mostra capaz de falar pela maioria dos brasileiros e construir um acordo político pela voz da democracia. Há uma oposição cada vez mais clara, visceral, entre o projeto de quem governa — e o ponto de vista de quem é governado.
É por isso que muitos analistas dizem que a Constituição de 1988 se esgotou. Outros falam que o universo criado pela Nova República se extinguiu. Sem discordar, não vou tão longe.
Mas não é possível ter dúvidas de que o ciclo inaugurado pelo afastamento de Dilma — seja chamado de golpe, como acho adequado, de encenação, como disse Joaquim Barbosa, de impeachment, como sustentam os beneficiários — terminou. Não representa o país, nem do ponto de vista daqueles que pediam Fora Dilma. Não dá mais. Se havia um tênue fio de continuidade com o voto popular na investidura de Temer, um mandato tão curto como desastroso encarregou-se de romper.
Nesta situação, é inaceitável escolher a presidência República num salão aristocrático onde milionários e seus empregados de confiança tentarão, no prazo de um ano e meio de reinado espúrio, produzir mudanças de longa duração e muita profundidade sobre o destino das brasileiras e brasileiros — a quem se reserva o direito de se conformar e se submeter.
Não é uma questão de nomes mas de método.
No Brasil de 2017, os Três Poderes estão dominados por um pacto incapaz de gerar um consenso que permita a nação se levantar e debater o futuro que deseja construir. As principais referências foram rompidas, as cartas estão embaralhadas.
Mesmo para enfrentar uma situação extrema, nossa Constituição rejeita todo e qualquer ensaio de Poder Moderador, conceito que não passa de uma palavra chique para acobertar tramas de quem toma decisões cruciais para o destino da nação sem pedir autorização ao povo.
Numa conjuntura de reconhecida gravidade, a única opção consistente para se construir um novo consenso político é a democracia. Nem é preciso discutir muito. A possibilidade de se chegar a isso se encontra no artigo 1 da Constituição. Ali se diz, com simplicidade: “todo poder emana do povo, que o exerce em nome de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Estamos falando de eleições diretas. Não é discurso de palanque, nem palavra solta em panfleto. É a única saída contra um desastre cuja sombra torna-se cada vez mais visível no horizonte.
*Paulo Moreira Leite é jornalista e escritor