Lula, o grande ausente – Por Emir Sader
O fator que finalmente se tornou decisivo no resultado do primeiro turno foi a perseguição ao Lula. Não fosse assim, Lula teria sido eleito domingo Presidente do Brasil, conforme todas as pesquisas e todos os comentaristas.
Um processo fajuto, sem nenhum fundamento jurídico e sem nenhuma prova, com condenação baseada em “convicções” de juízes militantes políticos da direita, pode alterar o futuro político do Brasil. A judicialização da política comandou todo o processo eleitoral. Lula não foi reconhecido como inocente, o STF nem sequer julgou o mérito do seu processo, mas deixou correr as escandalosas arbitrariedades cometidas contra o Lula. Ele não pôde nem sequer dar entrevistas, menos ainda votar. Está excluído do processo politico brasileiro, por uma acusação em primeira instancia, pela qual a presunção de inocência, preceito constitucional, vale para todos, menos para ele.
Porque se ele estivesse livre ou se pudesse dirigir-se diretamente à população, influenciaria de maneira decisiva as eleições. Ele sempre foi favorito para ganhar ou quem ele indicasse. Mas para isso teria que aparecer, com imagem e voz, indicando a Fernando Haddad como seu candidato. Nem sequer isso foi tolerado. Tem pânico da voz e da imagem do Lula. Dificultaram assim a transferência de votos para o Haddad, que chegou a 29% no primeiro turno, enquanto que o Lula tinha mais de 40% nas pesquisas.
O povo brasileiro não se deixou enganar, reafirmou a liderança do Lula como o único grande líder nacional. O povo brasileiro foi suficientemente maduro para apoiar o Lula e desejar que ele se tornasse de novo Presidente do Brasil. Mas foi impedido de faze-lo, pela perseguição politica feita contra ele.
Esse foi o fator predominante que impediu que o povo estivesse agora comemorando seu triunfo nas eleições deste mês. A judicialização da política está impedindo que as eleições sejam um instrumento democrático da vontade do povo. A soberania popular, em lugar de ser protegida pelo Judiciário, está sendo desrespeitada pelo próprio Judiciário, que acoberta a perseguição ao Lula. E abre caminho para a extrema direita.
Não fosse assim, a esquerda já estaria vitoriosa e a direita derrotada. A partir de janeiro teríamos um governo eleito democraticamente, que estaria rompendo com o modelo neoliberal e retomando políticas de inclusão social
Se sabia que a direita faria de tudo, resistiria de todas as maneiras a ser derrotada de novo. Mas a via da esquerda é sempre a via democrática. Valer-se dos espaços existentes para abrir caminho para a expressão democrática do povo. Sabendo que a disputa não é democrática, que a exclusão do Lula faria da campanha uma disputa que não corresponde aos desejos do povo. Não ha para a esquerda outra via que não seja a de ampliar sempre os espaços para a participação popular, mediante mobilizações de massa e construção de alternativas políticas.
É ainda possível reverter a situação eleitoral. Para o que não basta receber apoios de outros candidatos, o que, por si só, aproximaria Haddad do Bolsonazi. É indispensável tirar votos dele, elevando seu nível de rejeição. Em 2006 a campanha do Lula conseguiu fazer com que seu adversário, o Alckmin, tivesse 2 milhões a menos de votos no segundo do que no primeiro turno, a partir da desconstrução da imagem do candidato da direita, nos debates e nas propagandas da campanha. Difícil, mas não impossível.
O rumo da história está sendo falsificado pela judicialização da política, tirando o Lula da disputa, para a qual o povo o queria como seu candidato. A operação jurídica de perseguição ao Lula, impetrado por juízes direitistas e acobertada pelo STF, abriu o caminho para a candidatura da extrema direita, que promove o ódio, a violência, a tortura, discriminação, a violação de todos os direitos humanos. O regime de exceção se perpetuaria, com o beneplácito do Judiciário.
O grande ausente do processo, depositário das esperanças do povo, permanece preso e sem poder sequer falar para o povo que o reconhece como seu único grande líder. A historia não termina nunca, mas ha momentos de viradas que desenham o futuro de um pais. Estamos num momento desses.
* Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros