No Brasil de hoje, Darcy não é só saudade: é necessidade

– Nesta sexta-feira (17) completam-se 20 anos da morte de Darcy Ribeiro. Se as principais nações do mundo honram seus heróis com memoriais, filmes, nomes de ruas e festas cívicas, o mínimo que podemos fazer para ele é, como Emicida já nos ensinou, dizer de peito aberto: “Obrigado, Darcy!”.

Darcy Ribeiro em sua chegada ao Brasil depois do exílio

Obrigado, Darcy

Por Alessandro Octaviani*

Darcy Ribeiro cresceu no interior de Minas Gerais e estudou na Escola de Sociologia e Política em São Paulo. Foi “etnologar” índios no Xingu e cometeu o pecado de perceber que eles não eram somente fósseis do passado, mas um presente e – se tivéssemos sabedoria – um futuro civilizacional.

Mergulhou na reforma da educação brasileira, engajou-se na alteração estrutural do país por meio da ação política, foi exilado, escreveu uma obra teórica de impressionante fôlego sobre desenvolvimento mundial e o papel do Brasil (a “teoria de nós mesmos que só nós poderemos fazer”, encarnada nos diversos volumes dos Estudos de Antropologia da Civilização).

Tornou-se escritor de romances de alta qualidade e um agitador cultural de primeira grandeza. Amou os brasileiros brancos, índios, negros, misturados de todos os jeitos e para todos os gostos. Circulou com marechal Rondon, Anísio Teixeira, Victor Nunes Leal, Juscelino Kubitschek, João Goulart, Leonel Brizola, San Thiago Dantas, Celso Furtado, Glauber Rocha, Salvador Allende, Pablo Neruda, Fidel Castro, Che Guevara, Chico Buarque, Caetano Veloso, entre inúmeros outros.

Foi homenageado por algumas das principais universidades do mundo, tema de teses e documentários. Deu origem a uma fundação. Inspirou várias iniciativas nos mais diversos campos, impactando positivamente a vida de milhares de brasileiros.

A ação e o pensamento de Darcy alertaram-nos para nossas tarefas como nação a fim de construir, nessa primeira metade do século 21, uma verdadeira civilização nos trópicos: a defesa da mestiçagem; a altivez na determinação de objetivos próprios para a cultura, a economia e a política (e não acreditarmos que os modelos culturais, econômicos e políticos de que precisamos estão em uma prateleira, à venda, em alguma empresa ou universidade do hemisfério norte); a democratização do poder político, do poder econômico, do conhecimento e dos grandes meios de comunicação de massa.

Se fosse possível reduzir tal complexidade e riqueza a duas palavras, diria que Darcy foi amor e serviço. Amor ao Brasil, à ideia do país generoso com os brasileiros, autônomo perante o imperialismo e o sistema financeiro e responsável com seus recursos naturais e humanos.

Amor é atenção; Darcy nos deu ininterruptamente atenção. Serviu ao outro, incansavelmente: produziu teoria para a emancipação; trabalhou para construir escolas decentes onde nossas crianças seriam educadas e alimentadas; lutou para garantir liberdades democráticas; sorriu para os compatriotas e os fez sorrir; ensinou a abrir uma fresta entre a realidade e a utopia que alimenta a luta diária.

No Brasil de hoje, Darcy não é só saudade: é necessidade. Podemos ser todos Darcy. Obrigado, Darcy!

*Alessandro Octaviani é professor de Direito Econômico na Faculdade de Direito da USP

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