Em uma histórica votação realizada nesta segunda-feira (17/12), a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou o Pacto Mundial sobre Refugiados, que busca transformar a forma na qual o mundo reage à crise de deslocamento massivo, beneficiando tanto as pessoas que fogem de conflitos quanto as comunidades de acolhida.

O texto aprovado recebeu o voto favorável de 181 dos 193 Estados-membros da ONU, entre eles o do Chile (que, por outro lado, tem uma postura negativa com relação a outros acordos migratórios que vêm sendo discutido na entidade, por isso a surpresa com relação ao seu voto neste caso). Também houve dois votos contrários (o dos Estados Unidos de Donald Trump e o da Hungria de Viktor Orbán) e três abstenções (República Dominicana, Eritréia e Líbia). Assim como o Pacto Mundial para a Migração Segura, Ordenada e Regular, aprovado no dia 10 de dezembro (desta vez com voto contrário do Chile), este acordo não é vinculante e está previsto que a Assembleia Geral o ratifique nesta quarta-feira (19/12).

O Alto Comissionado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Filippo Grandi, disse que a aprovação do acordo é “o maior esforço realizado a favor de uma ampla responsabilidade global para com os refugiados que eu já pude ver, nos meus 34 anos trabalhando com este tema”.

“Não se deve deixar nenhum país sozinho na hora de reagir à grande afluência de refugiados. As crises requerem que as responsabilidades sejam divididas em todo o mundo, e o pacto é uma expressão poderosa de como podemos trabalhar juntos, mesmo em um mundo tão fragmentado como o atual. O pacto defende a ideia de que as responsabilidades devem ser compartilhadas em medidas concretas e práticas, para garantir que os refugiados não sejam reféns dos caprichos da política”, declarou Grandi.

Este acordo global reforça a responsabilidade conjunta na ajuda àqueles que são obrigados a abandonar seus países devido conflitos ou perseguições, e está sendo aprovado em um momento no qual 68,5 milhões de pessoas (cifra recorde) se encontram na situação de ter que fugir de seus lares: 25,4 milhões que tiveram que cruzar fronteiras e 43,1 milhões que são refugiados dentro de seus países de origem.

Nove de cada dez refugiados vivem em países em desenvolvimento, onde os serviços básicos como saúde e educação já são escassos. O objetivo do acordo é abordar esta questão, proporcionando mais investimentos tanto dos governos como do setor privado, para fortalecer a infraestrutura e a prestação de serviços em benefício tanto dos refugiados quanto das comunidades que os acolhem”, indica o Comissionado.

O texto está fundamentado na Convenção sobre Refugiados de 1951, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em documentos sobre direito humanitário, como o Estatuto Legal dos Asilados. Entre outras disposições, ele prevê a realização de um Foro Global sobre Refugiados a cada quatro anos.

“Depois de dois anos de longas consultas dirigidas pelo Comissionado aos Estados-membros da ONU, às organizações internacionais de refugiados da sociedade civil, ao setor empresarial privado e a especialistas no tema, chegou-se ao um novo acordo global que proporcionará um apoio mais sólido para os países onde vive a maioria dos refugiados, e também com o intuito de fortalecer a responsabilidade de ajudar”, informou Grandi.

“É um reconhecimento tardio ao fato de que os países que albergam um grande número de refugiados prestam um grande serviço à nossa humanidade, e isso estabelece formas nas quais o resto do mundo pode ajudar a arcar com essa responsabilidade”.

Assim, o pacto defende o estabelecimento de políticas e medidas que permitam aos refugiados o acesso à educação e saúde, para que possam ter vidas produtivas durante o tempo em que estão no exílio. O documento também tem outros objetivos, como o de abordar o impacto ambiental de receber as populações de refugiados, incluindo também a promoção do uso de energias alternativas.

O acordo também contempla mais oportunidades de reassentamento, como a reunificação familiar, bolsas estudantis e vistos humanitários para que os refugiados possam viajar com segurança. Também defende o retorno voluntário em condições de segurança e dignidade, como sendo a solução preferida na maioria das situações.

O novo acordo monitorará o progresso dessas medidas a partir da criação de sistemas de seguimento, entre eles o Foro Mundial sobre Refugiados, no qual os governos informarão e se comprometerão com uma série de medidas: financiamento, políticas, mudanças legais, quotas de reassentamento, etc.

A adoção do Pacto sobre Refugiados por parte da Assembleia Geral se produz dias depois de uma conferência intergovernamental que apresentou um texto alternativo para o Pacto Mundial para a Migração Segura, Ordenada e Regular, e que será levado às Nações Unidas nesta semana.

Antes da votação do acordo sobre os refugiados, nesta segunda-feira (17/12), dois países que enfrentam êxodo se dirigiram à assembleia. A Síria disse que o debate não deveria ser politizado, e pediu ao Comissionado que fizesse mais para ajudar os refugiados sírios a regressar ao seu país, assolado pela guerra. Por sua parte, a Venezuela, defendeu que a Assembleia garantisse mecanismos para que o novo pacto não se transformasse em uma via para que alguns países pudessem intervir em assuntos internos de outros.

A morte da menina guatemalteca nos Estados Unidos

Na mesma segunda-feira em que se votou o Pacto Mundial sobre os Refugiados na ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressou oficialmente o seu repúdio pela morte da menina guatemalteca Jakelin Caal, de sete anos, que faleceu quando se encontrava sob a custódia do Departamento de Aduanas e Proteção Fronteiriça dos Estados Unidos, e exigiu que se continuasse com as investigações abertas para determinar a causa do óbito e as devidas responsabilidades do caso.

Caal e seu pai, Nery Caal Cuz, de 29 anos, foram detidos na noite de 6 de dezembro, perto da localidade de Lordsburg, no Estado do Novo México, junto a um grupo de 163 pessoas que se entregaram aos agentes da Patrulha Fronteiriça. Segundo um comunicado do Ministério de Relações Exteriores da Guatemala, no trajeto à estação da Patrulha Fronteiriça de Lordsburg, a menina apresentou um quadro de febre e vômitos, e foi atendida por paramédicos.

Já no hospital, a menor sofreu dois ataques cardíacos, aos quais sobreviveu. Entretanto, no sábado (8/12), às 6h da manhã, agentes da Patrulha Fronteiriça do Novo México e o próprio cônsul da Guatemala em Phoenix (Estado do Arizona) informaram que a criança não resistiu mais aos problemas em sua saúde, e faleceu.

A Patrulha Fronteiriça argumenta que a menina passou quatro dias sem consumir alimentos nem água antes de começar a vomitar, e que parou de respirar durante o traslado a uma das estações. A família assegura que Jakelin não ficou sem água ou comida nos momentos prévios ao da aproximação do grupo à fronteira. Kevin McAleenan, comissionado estadunidense de Aduanas e Migração, reconheceu que a notícia da morte da menina foi ocultada durante três dias, com a finalidade de evitar a politização do caso.

Em maio deste ano, a guatemalteca Yasmín Juárez e sua filha de 19 meses foram presas ao entrar irregularmente nos Estados Unidos. A bebê faleceu seis semanas e meia depois de ser liberada de um centro de detenção do Departamento de Migração e Controle de Aduanas no Texas, apesar de que não sofria de nenhum problema de saúde antes da captura, segundo o testemunho de sua mãe.

Mirko. C. Trudeau é economista-chefe do Observatório de Estudos Macroeconômicos (Nova York) e analista de temas sobre os Estados Unidos e a Europa, associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

*Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

doze − 7 =