Espiral reivindicatória de policiais e militares pode inviabilizar governos Zema e Bolsonaro
Por Raquel Faria – Na virada de ano, em meio à distração das festas e férias, militares e policiais ganharam mais benesses salariais, confirmando-se como a classe mais privilegiada hoje no Brasil. Em Minas, no fim de 2019, Zema fechou com a segurança pública reajustes de 37% nos próximos três anos. Em Brasília, na última semana, Moro editou MP que dá gratificações à elite da PF. E uma onda fortíssima de aumentos é prevista em 2020, para atender à pressão da base das Forças Armadas e de grupos policiais em todo o país.
O caso mineiro ilustra o surrealismo da política salarial dos governos para servidores fardados. O Estado está sob decreto de calamidade financeira desde 2015 e terá que adotar este ano um duro ajuste de contas. Pois bem: os aumentos dados por Zema vão comer toda a economia de R$ 6 bilhões que o governo pretende com o Regime de Recuperação Fiscal. O que se vai cortar de despesa será gasto na segurança. Será como enxugar gelo. Além disso a generosidade com a segurança aumentará a resistência dos servidores às medidas de ajuste. O governador mineiro comprometeu a sua administração, talvez de modo irreparável.
Os reajustes de Zema já inspiraram movimento reivindicatório na Guarda Municipal de Belo Horizonte e vão atiçar policiais em outros estados em busca de equiparação. Se um governo quebrado como o mineiro pode pagar mais, por que não o cearense, baiano, capixaba, etc?
Também o mimo de Moro a membros da PF provocará reivindicações nas fardas, engrossando sobretudo as pressões para aumento do soldo de soldados, cabos, sargentos e subtenentes, que representam 82% do efetivo das Forças Armadas. Segundo o site Agência Pública e o portal El País, os praças não se conformam com o reajuste de 4% recebido em 2019, no bojo do projeto de reforma previdenciária e reestruturação de carreiras; eles querem o mesmo índice dado aos oficiais, 45%.
O governo federal já vive paralisia por falta de recursos. O quadro será agravado a partir deste ano com a vigência do Teto de Gastos, que impõe limite aos gastos públicos. Mesmo assim Bolsonaro vai acabar cedendo aos soldados; se concedeu para o oficialato não tem como recusar à base. O presidente impopular carece de apoio. E as contas que se explodam.
Zema, Bolsonaro, Moro e outros dirigentes brasileiros parecem reféns da farda. É como se os governantes no país só pudessem se segurar no cargo com apoio ou aval dos servidores armados.
A ironia é que essa submissão às forças de segurança está se tornando uma ameaça à governabilidade, em vez de salvaguarda, ao permitir uma espiral incontrolável de aumentos salariais para policiais e militares. Essa espiral está acentuando as disparidades salariais no serviço público e em relação aos trabalhadores privados, para revolta de todos. E cedo ou tarde vai botar a perder todo o esforço fiscal, em Minas e no Brasil. Ou coisa pior. Zema e Bolsonaro (entre outros) já começaram inviabilizando as próprias administrações, sem compromisso com equilíbrio fiscal e perspectiva de recursos para investimentos, em virtude de sua rendição incondicional aos militares.
Via: Os Inconfidentes