– Excessos de mamografias levam a sobrediagnósticos e falsos positivos, prejudicando a saúde das mulheres –

Mamografia: um raio x doloroso / Bill Branson, National Cancer Institute

Profissionais da saúde criticam a abordagem das campanhas de conscientização sobre o câncer de mama que marcam este mês, no chamado “Outubro Rosa”. Com base em diversos estudos que mostram os prejuízos do rastreamento de rotina para a saúde de mulheres jovens, esta ala da medicina acredita que existe uma indústria ao redor do que chamam de “medicina do medo”.

É o que afirma a médica Nathália Cardoso, integrante do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, que explica que as taxas de falsos positivos nas mamografias são muito altas.

“Primeiro tem a questão dessa medicina do medo, dessa cultura do medo dentro da medicina, de que quanto mais exames preventivos a gente fizer, mais estaremos evitamos doenças e isso levaria a uma lógica de diminuição de mortalidade e melhora de qualidade de vida. E o que a gente vê é que os corpos estão sendo mais e mais cedo invadidos por exames complementares. Mulheres de 30 anos fazem ultrassom e localizam um nódulo, e ele é um achado inespecífico do exame, passam por cirurgia, tiram pedaços da mama, mas a grande maioria não é maligno”, explicou.

De acordo com um estudo publicado pelo Centro Nórdico da Colaboração Cochrane, uma organização de pesquisa e investigação médica, se 2000 mulheres realizassem mamografias regularmente durante dez anos, apenas uma se beneficiaria do rastreio, evitando a morte por câncer de mama, enquanto dez seriam tratadas por falsos positivos. Além disso, um estudo publicado no The European Journal of Public Health em 2014, mostra que a mamografia pode aumentar a chance de diagnóstico de câncer de mama em mais de 200%.

“A gente observa que o aumento do diagnóstico do câncer de mama tem sido expressivo, apenas porque as pessoas têm feito cada vez mais exames. A lógica seria que com exames a gente prevenisse a mortalidade com o câncer de mama. Mas isso não acontece. Ela permanece a mesma. A gente não pode esquecer que a mamografia nada mais é que um raio x, e a gente vai irradiar uma mama saudável. Fora a dor; são duas placas que espremem o peito da mulher para tirar um exame de imagem muito dolorido”, pontuou Cardoso.

Na opinião de Bruna Silveira, Médica de Família e Comunidade, os médicos têm que ter mais responsabilidades para pedir os exames de rastreamento.

“Exame não é só coisa boa, a gente tem que saber o que está procurando e porque. Às vezes a gente tem a impressão de que se não pegar precocemente vai ser ruim, sendo que a gente já sabe que na maioria dos casos a investigação clínica na vigência de um sintoma é muito melhor do que ficar rastreando e gerando sobrediagnóstico e sobretratamento, com um monte de efeitos colaterais”, disse.

Silveira destaca que a abordagem das campanhas do Outubro Rosa deveria ser mais cuidadosa, seguindo as indicações do Ministério da Saúde, que recomenda a realização da mamografia bienalmente a partir dos 50 anos de idade.

“O Instituto Nacional do Câncer (INCA) não indica esse tipo de campanha, o Ministério da Súade não indica, vários estudos não indicam, mas daí os shoppings e a indústria farmacêutica fazem esse tipo de campanha. Por trás de isso tudo tem um interesse econômico, porque a cada positivo gerado há uma cascata de procedimentos a serem feitos, tem sempre alguém ganhando isso”, opinou.

Não sou obrigada

Considerando essa realidade, a médica Luciana Vitorino de Araújo participou da criação da campanha “Não sou obrigada” na Unidade Básica de Saúde Jardim São Jorge, localizada na zona oeste de São Paulo, onde trabalha. Diversos cartazes foram colados na unidade para alertar para a violência contra a mulher.

“Decidimos que o foco da campanha do outubro rosa seria a violência contra a mulher, fazendo um comparativo entre dados estatísticos que mostram que há a mesma proporção entre mulheres que relatam violência e que têm algum diagnóstico de câncer de mama”, afirmou.

Araújo explica ainda que o exagero de exames de prevenção realizados por mulheres jovens e sem nenhum sintoma prejudica a prioridade das mulheres em tratamento de câncer. De acordo com a Secretaria de Saúde, a média de mamografias realizadas nos hospitais da rede pública é de 2 mil por mês, mas em 2017 essa quantidade praticamente dobrou em relação ao ano passado.

“O acesso ao tratamento para as mulheres com doenças graves que precisam dele é atrasado,porque faltam recursos”, disse.

Para controle da saúde das mamas de mulheres mais jovens, as profissionais da saúde indicam a investigação clínica caso seja percebida alguma alteração na normalidade da mama, como nódulos palpáveis, alteração no formato ou textura, ou secreção.

Via Brasil de Fato

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