Ministro da Economia, Paulo Guedes, e presidente do Banco Central estão entre os nomes do ‘Pandora Papers’ (Marcos Correa/PR)
Investigação jornalística se baseia no vazamento de cerca de 11,9 milhões de documentos de 14 empresas de serviços financeiros em todo o mundo
Mais de uma dúzia de chefes de Estado e de Governo, como os da Jordânia, Azerbaijão, Quênia e Tchéquia, usaram paraísos fiscais para ocultar ativos de centenas de milhões de dólares, de acordo com uma nova investigação jornalística internacional divulgada nesse domingo (3). Entre os nomes de brasileiros, um se destaca: o ministro da Economia do atual governo, o economista Paulo Guedes.
A investigação dos chamados Pandora Papers, envolvendo cerca de 600 jornalistas, inclusive do The Washington Post, BBC e The Guardian, se baseia no vazamento de cerca de 11,9 milhões de documentos de 14 empresas de serviços financeiros em todo o mundo.
Cerca de 35 atuais e antigos líderes são citados no mais recente e vasto acervo de documentos analisados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), enfrentando alegações que vão desde corrupção até lavagem de dinheiro e evasão fiscal global.
Na maioria dos países, enfatiza o ICIJ, não é ilegal ter ativos offshore ou usar empresas de fachada para fazer negócios além de suas fronteiras nacionais. Porém, tais revelações não são menos embaraçosas para líderes que podem ter feito publicamente campanha contra a evasão fiscal e a corrupção, ou defendido medidas de austeridade em casa.
Paulo Guedes e Roberto Campos Neto
De acordo com matéria publicada na revista piauí, o ministro da Economia Paulo Guedes mantém empresas offshores em paraísos fiscais mesmo após ter entrado para o governo Jair Bolsonaro (sem partido) – isso desrespeita as normas da Lei de Conflito de Interesses e do próprio serviço público. O mesmo se aplica ao presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, que manteve 15 offshores por 15 meses após assumir seu cargo.
O deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ), informou que, junto com outros líderes da oposição na Câmara dos Deputados, irá acionar o Ministério Público Federal (MPF) para que investigue Paulo Guedes e Roberto Campos Neto.
Freixo afirmou, em publicação em suas redes sociais, que “a legislação brasileira proíbe que membros da cúpula do governo mantenham esse tipo de negócio”.
Em resposta à publicação do consórcio de veículos jornalísticos, a assessoria do ministro da Economia esclarece que toda a sua atuação privada anterior à posse foi devidamente declarada à Receita Federal e à Comissão de Ética Pública. Já a assessoria do presidente do BC disse que ele não participa da gestão ou faz qualquer investimento com recursos dessas empresas.
Escândalo mundial
Vários governantes de todo o mundo, incluindo os presidentes do Chile, Equador e República Dominicana, estão listados nos Pandora Papers. No caso do presidente chileno, Sebastián Piñera, os veículos de mídia locais CIPER e LaBot, que participaram da investigação, revelaram a negociação nas Ilhas Virgens Britânicas da mineradora Dominga pelo empresário Carlos Alberto Délano, um dos “amigos de infância” de Piñera.
Segundo o jornal espanhol El País, a empresa da família Piñera-Morel vendeu o negócio a Délano com um contrato assinado no Chile por US$ 14 milhõese outro nas Ilhas Virgens por US$ 138 milhões. A operação remonta a dezembro de 2010, quando Piñera estava havia nove meses no Palacio de La Moneda.
O pagamento da operação teve de ser feito em três parcelas, a última sujeita ao “não estabelecimento de área de proteção ambiental sobre a zona de atuação da mineradora, conforme reivindicam grupos ambientalistas”, cita o veículo espanhol.
O governo de Piñera decidiu não promover a proteção ambiental na área, condição sob a qual o último pagamento teria sido realizado. “O presidente nunca participou ou teve qualquer informação sobre a venda da Minera Dominga”, afirmou a presidência chilena em nota.
Piñera foi investigado pela transação em 2017 e “o Ministério Público recomendou encerrar o caso por inexistência de crime, conforme a lei e a falta de participação do presidente Sebastián Piñera na operação citada”, diz o comunicado presidencial.
A investigação do ICIJ também aponta a ligação de Luis Abinader, presidente da República Dominicana, com duas sociedades no Panamá, Littlecot Inc. e Padreso SA, ambas criadas antes de ele assumir o cargo, segundo apuração do Noticias Sin. De acordo com o meio, as ações dessas empresas eram “ao portador”, um “instrumento utilizado para ocultar os beneficiários das companhias”.
Abinader “foi registrado publicamente como beneficiário em 2018, três anos após a entrada em vigor de uma lei que obriga as empresas a divulgarem a identidade de seus proprietários”, observa El País.
“Ao tomar posse como presidente, em 2020, o presidente declarou nove sociedades offshore que controlava por meio de um fundo fiduciário. Abinader garante que não tem qualquer participação em sua gestão”, acrescentou a mídia.
O terceiro presidente a aparecer na investigação é o equatoriano Guillermo Lasso. Segundo o jornal El Universo, o governante controlava 14 empresas offshore, a maioria delas sediadas no Panamá, e as fechou depois que o correísmo aprovou uma lei que proibia os candidatos presidenciais de terem empresas em paraísos fiscais. Lasso, um ex-banqueiro, “alega que colocou dinheiro no exterior porque a legislação nacional impede os banqueiros de investir em seu país”, indicou El País.
A investigação também inclui os nomes de 11 ex-presidentes latino-americanos: os panamenhos Juan Carlos Varela, Ricardo Martinelli e Ernesto Pérez Balladares; os colombianos César Gaviria e Andrés Pastrana; o peruano Pedro Pablo Kuczynski; o hondurenho Porfirio Lobo e o paraguaio Horacio Cartes.
De acordo com esses documentos, o rei Abdullah II da Jordânia criou pelo menos 30 empresas offshore em países ou territórios com facilidades tributárias, por meio das quais comprou 14 propriedades de luxo nos Estados Unidos e no Reino Unido, por mais de US$ 106 milhões.
Os advogados do rei Abdullah II disseram à BBC que todas as propriedades foram compradas com sua fortuna pessoal. Eles argumentaram que é comum entre personalidades importantes comprar propriedades por meio de companhias offshore por motivos de privacidade e segurança.
Parentes e sócios do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev – há muito acusado de corrupção no país da Ásia Central -, teriam secretamente participado de negócios imobiliários no Reino Unido na casa das centenas de milhões.
Os documentos também mostram como o primeiro-ministro da Tchéquia, Andrej Babis, colocou US$ 22 milhões em empresas fantasmas que foram usadas para financiar a compra de um castelo no sul da França.
Tony Blair e Shakira
Ao todo, o ICIJ encontrou ligações entre quase mil empresas offshore e 336 políticos e funcionários públicos do alto escalão, incluindo mais de uma dúzia de chefes de Estado e Governo, líderes de países, ministros, embaixadores e outros.
Mais de dois terços das empresas foram estabelecidas nas Ilhas Virgens Britânicas. O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair – que tem sido um crítico das brechas fiscais – também aparece nos arquivos, que detalham como ele e sua esposa Cherie evitaram legalmente pagar impostos em uma propriedade multimilionária em Londres, ao comprar a companhia offshore que a possuía.
Além de políticos, estão entre as figuras públicas expostas a cantora colombiana Shakira, a modelo alemã Claudia Schiffer e a lenda indiana do críquete Sachin Tendulkar.
Outras revelações da investigação do ICIJ:
Líderes envolvidos no ‘Pandora Papers’, no sentido horário a partir do canto superior esquerdo: o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, o presidente russo Vladimir Putin, o rei jordaniano Abdullah II e o presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta(Valentyn Ogirenko, Vladimir Smirnov, Gordwin Odhiambo, Stephanie Keith/AFP)
Pessoas do círculo íntimo do primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, incluindo ministros e seus familiares, são supostamente proprietários secretos de empresas e fundos fiduciários com milhões de dólares;
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, não aparece diretamente nos documentos, mas está relacionado a ativos secretos em Mônaco por meio de associados;
O presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, e seis membros de sua família seriam proprietários de uma rede de empresas em paraísos fiscais;
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, supostamente transferiu sua participação em uma empresa offshore secreta pouco antes de vencer as eleições de 2019;
O ex-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, aparentemente pagou vários milhões de dólares em honorários de consultoria para uma empresa marroquina isenta de impostos.
Os Pandora Papers são os mais recentes de uma série de vazamentos em massa de documentos financeiros pelo ICIJ. Em 2016, os Panama Papers provocaram a renúncia do primeiro-ministro da Islândia e abriram caminho para o líder do Paquistão ser expulso. Eles foram seguidos pelos Paradise Papers em 2017 e os arquivos “FinCEN” em 2020.
Os documentos por trás desta última investigação foram extraídos de empresas de serviços financeiros em países como as Ilhas Virgens Britânicas, Panamá, Belize, Chipre, Emirados Árabes Unidos, Cingapura e Suíça.
AFP/Agência Estado/Dom Total