No Norte de Minas, a floração do pequi ocorre de setembro a dezembro (Manoel de Freitas)

Genuinamente nacional, o pequi faz parte do prato e da vida do norte-mineiro. É das Minas – que são muitas – os gerais em que sua gente se senta à sombra do pequizeiro para celebrar o sertão que vive em cada um. E não poderia ser diferente: a árvore-símbolo do cerrado tem forte cheiro de poesia.

Seja em caroço, polpa, doce, azeite, castanha in natura ou cristalizada, o pequi é cultura pura e povoa o imaginário coletivo. Para o norte-mineiro, mais que sustento e saboroso alimento à mesa, o pequi também é renda.

Com o apoio e confiança de toda a equipe de O NORTE, em reconhecimento ao valor do pequi e à excelente safra que começou em novembro, aos finais de semana o leitor terá acesso a uma série de reportagens especiais a respeito do fruto. Trata-se de um conteúdo que reclama pesquisa e imersão em sua cadeia produtiva, na qual personagens têm muitas histórias para contar.

A despeito de ser encontrado em alguns estados do Nordeste, Sudeste e até no Centro-Oeste, o pequi é cantado em prosa e verso sobretudo em Minas e em Goiás. A propósito, nos chamou a atenção primeiramente o fato de que Goiás e o Distrito Federal são os principais compradores da polpa e da castanha do pequi no município de Japonvar, Norte de Minas, tanto pela qualidade quanto pelo baixo custo.

Senão, vejamos: enquanto uma garrafa pet com dois quilos de sua polpa custa em Japonvar R$ 20, no Planalto Central não sai por menos de R$ 50, e, no Mercado Livre, chega a ser anunciado até a R$ 169.

Dez a 12 caixas por dia
Fartura. Palavra-chave da atual safra do pequi em Japonvar. Isso é bom para as populações agroextrativistas e para toda a cadeia produtiva local, haja vista que os ganhos advindos de sua coleta são igualmente observados durante os outros meses do ano com a produção da polpa, da conserva e da castanha do pequi.

Por sinal, no município foi formada em 2006 a Cooperativa de Pequenos Produtores Rurais de Japonvar. Na época, a entidade chegou produzir anualmente 150 toneladas de polpa de pequi.

Investiu em tecnologia para o processamento e, graças aos recursos financeiros do Sebrae, colocou em operação a 1ª unidade de beneficiamento de frutos do cerrado do Brasil. Nos dias atuais, diante da nova realidade, o próprio Sebrae atua no sentido de colocá-la uma vez mais em funcionamento.

Para falar sobre esse novo tempo de bonança, O NORTE ouviu, em Japonvar, a extrativista Maria dos Anjos Ferreira da Silva, a Neném, que mora há 46 anos na comunidade do Mangaí.

“Colho pequi desde que me entendo por gente. Lá em casa, temos o hábito de comer na semana inteira: no frango, no macarrão, com arroz, mandioca, cru com farinha… Ou seja, é pequi todo dia”, declara.

Maria dos Anjos explica que trabalha na coleta e processamento do pequi em família: “Eu, meu esposo, Divalim Ferreira de Aquino, meu filho, William Ferreira, e meu pai, José Ferreira da Silva, estamos sempre na batalha. O meu pai tem 80 anos, mas todos os dias levanta com o sol nascendo para nos ajudar”.

Emocionada, se recorda da mãe, Ana Fernandes:

“Minha mãe também coletava o fruto enquanto viveu”.

A extrativista revela: “Todo ano eu apanho e compro também de outras coletoras, mas este ano não foi preciso porque meu esposo está pegando de 10 a 12 caixas de pequi por dia! Então posso dizer que essa safra foi boa. Boa, muito boa, maravilhosa”.

Sorrindo, Maria dos Anjos diz que tão logo o pequi é colhido, já tem mercado”. “Pra você ter uma ideia”, prossegue Neném, “em 2021 vendi 700 quilos de castanha de pequi; ano passado, mesmo com a queda na safra, vendi 350 quilos; e, acredite, em 2023 a expectativa é ultrapassar mil quilos de castanha”.

Maria dos Anjos informa que Goiânia e Brasília absorvem toda a produção de polpa e castanha de pequi: “Compram tudo! Do ponto de vista econômico, a castanha que comercializo sem nenhum espinho, é melhor para mim”.

É do Cerrado, é do Brasil

O pequi (caryocar brasiliense) é da família das cariocaráceas nativa do Cerrado brasileiro. Seu nome tem origem na língua tupi, ‘py’, que significa pele; ‘qui’, espinho, que significa casca espinhosa, em alusão à camada espinhosa mais interna do fruto, que se acha em contato com a semente.

Maria dos Anjos, de Japonvar, com o filhoWilliam e seu pai José Ferreira da Silva, de 80 anos. (Manoel Freitas)

Também é chamado de piqui, piquiá, amêndoa-de-espinho, grão-de-cavalo, pequiá e pequerim. Sua propagação é feita por semente, frutificando de novembro a fevereiro já no início da sua fase reprodutiva, aos oito anos de idade.

O pequizeiro, que leva em média cinco anos para dar frutos, atinge de 10 a 12 metros de altura e pode viver até 50 anos. É capaz de produzir, por safra, de 500 a 5000 frutos, que vão amadurecendo paulatinamente e caindo. Tem espinhos que chegam a até quatro milímetros de comprimento, e seu fruto é rico em óleo insaturado, vitaminas C, A, E, além de fósforo, potássio, magnésio e carotenóides.

Segundo o IBGE, em 2021 mais de 74 mil toneladas de pequi foram extraídas no país, dados que ajudam a dimensionar o seu significado para milhares e milhares de famílias, sendo que a partir de 2012 Minas Gerais (que declarou a espécie como sendo de interesse comum, de modo a proibir o seu corte) passou a ser considerado o estado de maior produção extrativista de pequi do Brasil.

Sua cadeia produtiva começa com a colheita do fruto, passando pelo transporte, comercialização e consumo. Em Minas, apenas duas regiões de boa luminosidade são grandes produtoras, Norte e Jequitinhonha, embora menos de 40% da produção seja comercializada, o que demonstra claramente o significado do pequi para o autoconsumo das famílias coletoras.

Isto posto, não é à toa que o seu extrativismo é importante fonte de renda no Norte de Minas Gerais com reflexos positivos na economia informal, vital para comunidades tradicionais e agricultores familiares. Mais ainda, a presença em campo dos catadores é essencial do ponto de vista alimentar, cultural e ecológico.

Muita história por contar

Montes Claros, com população estimada pelo IBGE em 402 mil habitantes, promove em seu centro histórico, há 29 anos, a Festa Nacional do Pequi sempre no final da safra.

É considerada o maior evento artístico-gastronômico da cidade: a culinária anda de mãos dadas com a arte regional, especialmente a música de raiz.

O Instituto de Ciências Agrárias da UFMG foi um dos organizadores da última edição do evento.

Diretores do Instituto consideram que “a Festa Nacional do Pequi já se consolidou como a melhor vitrine de exposição de pesquisas e programas de extensão que têm como foco os frutos nativos do cerrado”.

A próxima edição da série, no próximo sábado (14), vai retratar a luta de 12 anos de senhoras guardiãs de sementes e da agrobiodiversidade, que obtiveram uma vitória maiúscula em 2014. Foi quando teve a criação, em Rio Pardo de Minas-MG, da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes Geraizeiras. São 38.177 hectares, onde a gente sertaneja pôde preservar seu território, proteger o pequi e outros 20 frutos, ao mesmo tempo em que resgatou seu modo de vida tradicional na defesa do cerrado com tudo o que nele existe.

Também na série de reportagens especiais sobre o pequi, O NORTE abordará o tema sob diversos ângulos, com alicerce na vivência de extrativistas, pesquisadores, professores e também do Núcleo Gestor da Cadeia Produtiva do Pequi e outros Frutos do Cerrado em Minas Gerais.

Vai mostrar muito mais acerca da árvore que simboliza o cerrado, bem como características do pequi-anão, pequi-rasteiro ou pequi-de-moita, além do pequi sem espinhos, com suas propriedades e riqueza cultural que não se mede.

Via: O Norte

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