Um terço de um grupo de mais de 30 mil funcionários efetivos e terceirizados das Nações Unidas sofreu assédio sexual no interior do organismo ou em eventos de trabalho nos últimos dois anos, apontou um levantamento inédito sobre o tema.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, avaliou que a pesquisa revela “algumas estatísticas alarmantes e evidencia o que é preciso mudar” para melhorar o ambiente de trabalho da organização.
Um total de 30.364 pessoas participou da pesquisa, que consistia no preenchimento de um questionário confidencial online. O número de participantes representa apenas 17% dos que trabalham para a organização. Guterres classificou a participação no levantamento de “moderadamente baixa”.
“Isso me diz duas coisas: primeiro, que nós ainda temos um longo caminho pela frente antes de conseguirmos discutir completa e abertamente o assédio sexual; e segundo, que também pode haver um contínuo senso de desconfiança, percepções de passividade e de falta de responsabilização”, escreveu.
Um em cada três entrevistados (33%) relatou ao menos uma situação de assédio sexual nos últimos dois anos. A percentagem chega a 38,7% quando considerados aqueles que relataram algum tipo de assédio sexual durante todo o tempo de atuação nas Nações Unidas.
Ainda de acordo com o relatório, 21,7% dos participantes disseram ter ouvido histórias sexuais ou piadas ofensivas, 14,2% afirmaram ter sido alvo de comentários ofensivos sobre sua aparência, corpo ou atividades sexuais, e 13% sofreram tentativas indesejadas de atraí-los para conversas indesejadas sobre questões sexuais.
Outros 10,9% disseram ter sido sujeitos a gestos ou uso de linguagem corporal de natureza sexual que os envergonhou ou ofendeu, e 10,1% disseram ter sido tocados de maneira que os deixou desconfortáveis.
Dois de cada três assediadores eram homens. Mais da metade das vítimas relatou que os atos aconteceram no ambiente de trabalho, enquanto 17,1% disseram que os atos ocorreram em eventos sociais relacionados ao trabalho. Apenas uma em cada três pessoas disse ter tomado medidas após sofrer o assédio sexual.
Guterres também declarou que os índices são comparáveis aos de outras organizações, mas que as Nações Unidas – que defendem igualdade, dignidade e direitos humanos – devem estabelecer um padrão mais elevado.
Nos últimos anos, a ONU tem tentado aumentar a transparência e fortalecer a forma como lida com alegações do tipo depois que uma série de acusações de exploração sexual e abuso foram feitas contra funcionários na África.
Em dezembro, o chefe da agência da ONU para HIV e aids (Unaids), Michel Sidibé, anunciou que vai deixar o cargo em junho, seis meses antes do fim de seu mandato. O anúncio da antecipação da saída ocorreu após um grupo independente indicar que a “liderança falha” Sidibé, tolerou “uma cultura de assédio sexual, bullying e abuso de poder” no órgão.
No ano passado, o diretor-adjunto do Unaids, o brasileiro Luiz Loures, renunciou ao cargo após ser acusado de assédio sexual. Ele foi absolvido em uma investigação interna por falta de provas, mas o caso acabou arranhando a imagem da agência.