Atos discriminatórios se multiplicam no futebol, mas número de condenações ainda é baixo no Brasil; dados oficiais mascaram a realidade

Várias campanhas são realizadas nos estádios, mas é preciso muito mais (FOTO: JEFFERSON COPPOLA/FOLHAPRESS)

Aos preconceituosos, a punição. Nas quatro divisões do futebol nacional, na Copa do Brasil e em campeonatos estaduais, os atos de discriminação crescem assustadoramente. Os registros são frequentes, mas nem todos os casos recebem a devida pena.

O Super.FC teve acesso a um levantamento exclusivo do Superior Tribunal de Justiça Desportva (STJD) e detalhou os dados para medir quantas e quais infrações deste tipo foram julgadas e punidas pela corte maior do futebol brasileiro.

Entre 2014 e 2021, o STJD julgou 28 casos e condenou 21 agentes, em situações que incluem, em sua maioria, discriminação racial, mas também relacionadas ao machismo e à LGBTFobia (veja os dados abaixo).


Os casos reais, no entanto, são bem mais. O Observatório da Discriminação Racial no Futebol, projeto que pesquisa o tema, levantou, por meio de relatos da imprensa, 449 casos de discriminação no Brasil entre 2014 e 2020.

“Temos uma dificuldade muito grande de trazer os casos para julgamento, até os próprios árbitros. A gente precisa que os fatos sejam registrados mais vezes na súmula, para que a procuradoria provoque o tribunal mais vezes”, ressalta a auditora do STJD, Adriane Hassen.

Além da súmula, a procuradoria do STJD pode agir com base em imagens da transmissão de TV ou mesmo pelas chamadas notícias de infração, quando um cidadão apresenta uma denúncia ao órgão.

Dificuldade.Para o diretor do Observatório, Marcelo Carvalho, embora a discriminação esteja prevista até no Código de Conduta da Fifa, falta uma melhor orientação. “Quais árbitros sabem identificar um ato de racismo quando ele não é feito pela palavra de ‘macaco’ ou um gestual? A mesma coisa para a homofobia. Esses casos noticiados são os casos nítidos. E quando eles acontecem no campo de futebol, os árbitros não colocam esses casos em súmula? É por isso que vamos ter um número tão melhor de casos julgados”, pondera.

O que diz a lei
O artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD)prevê punições para quem praticar atos discriminatórios, que varia de suspensão de cinco a dez partidas, além de multa entre R$ 100 e R$ 100 mil, quando praticado por jogadores, membros de comissão técnica e dirigentes, que também podem ser suspensos. Quando a infração é praticada por um grande número de pessoas, como a torcida, o clube pode ser punido com a perda de três pontos ou eliminação de uma competição.

Só ação em cadeia é capaz de reduzir atos
Para que os atos de discriminação sejam, de fato, punidos, é necessário uma atuação em cadeia de todo o sistema desportivo. Se um atleta, membro de comissão técnica, dirigente ou uma torcida têm uma atitude racista, homofóbica, machista ou xenofóbica, o árbitro, autoridade máxima de uma partida, precisa saber identificá-la para que o caso seja levado adiante.

Jogadores chegaram a fazer vários protestos antes das partidas contra o racismo (FOTO: VITOR SILVA/BOTAFOGO)

Posteriormente, a situação tem que chegar à procuradoria dos tribunais. A partir de então, é necessário um conhecimento técnico dos julgadores, algo que ainda estão aprendendo a lidar aos poucos com esse tipo de situação.

Novo caminho
Auditora do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Adriene Hassen explica um mal entendido que atrapalhava na investigação dos casos. “Quanto mais se estuda sobre racismo, LGBTFobia, machismo, mais se aprende. Antes, essas discriminações eram todas incluídas e entendidas como desrespeito (artigo 258 do CBJD) ou ofensa à honra (artigo 243-F). Aí, elas não iam para esse levantamento que é do 243-G. Ainda hoje a gente vê muitas vezes a procuradoria denunciando errado, e os auditores condenando errado também. Mas em escala bem menor”, avalia a auditora do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Adriene Hassen.

No início deste ano, o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) criou um grupo de trabalho para fazer uma revisão do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Para Adriene Hassen, que faz parte da comissão, há pontos a se aprimorar. “Precisamos trabalhar melhor a redação, que é bem ruim, pouco inclusiva, pouco técnica”, diz

Muitos casos longe dos holofotes
O levantamento do Super.FC mostra que boa parte dos casos aconteceram em divisões inferiores, longe dos holofotes da mídia. Dez dos 28 casos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva, aconteceram nas Séries C e D, competições que têm menos apelo entre os torcedores.

Segundo os últimos dados do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, os casos de racismo representam duas a cada três ações julgadas. O levantamento feito no Brasil e no exterior não se limita ao futebol e também trata de machismo, LGBTFobia e xenofobia.

Sem torcida nas praças esportivas durante a pandemia, os casos raciais tiveram uma queda de 53%, passando de 67 em 2019 para 31, em 2020.

Imagens garantiram uma decisão inédita
Goleiro Aranha foi chamado de Macaco por torcida do Grêmio, e clube foi eliminado da Copa do Brasil

Torcedora Patrícia Moreira foi identificada, mas se livrou de um processo por injúria racial (FOTO: REPRODUÇÃO DE TV)

Em 2014, o agora ex-goleiro Aranha defendia o Santos. Em uma partida da Copa do Brasil, contra o Grêmio, em Porto Alegre, o atleta tornou-se centro de uma decisão até então inédita na história do futebol brasileiro. A cena é conhecida. O camisa 1, por diversas vezes, foi chamado de “macaco” por torcedores que estavam no estádio. A cada reposição de bola, ouvia sons da arquibancada que remetiam ao primata.

As imagens de TV foram determinantes para a exemplar punição do Grêmio, time que foi eliminado da competição e também recebeu uma multa de R$ 50 mil. O árbitro do jogo, Wilton Pereira Sampaio, acabou recebendo uma suspensão de 90 dias e uma multa no valor de R$ 800, porque inicialmente não havia relatado na súmula as ofensas contra o goleiro, que chegou a alertá-lo durante a partida.

“Entendo que pelo fato de os árbitros não serem profissionais reconhecidos no papel, eles também se sintam desprotegidos em muitos momentos”, declarou o ex-goleiro, hoje colunista e também ativista, em entrevista exclusiva ao Super.FC. “Além de receberem (os árbitros) uma carga emocional muito grande por uma atuação perfeita, acredito que em muitos casos a omissão seja a maneira mais eficaz para manutenção do seu emprego”, acrescentou Aranha.

Mais rigor
Revisitando os casos que têm acompanhado de forma sistemática dentro do futebol brasileiro, como o do meia Celsinho, do Londrina, com o Brusque punido com perda de pontos na Série B, Aranha faz duas reflexões. A primeira sobre o roteiro repetido em relação aos casos de ofensas racistas relatadas por atletas em campo.

“No caso do Celsinho, eu observei mais do mesmo: a falta de respeito e humanidade em ação e a vítima tendo seu caráter colocado em dúvidas. Coisa típica do racismo no Brasil”, lamentou o ex-goleiro.

Aranha, que na época era goleiro do Santos, foi chamado de macaco por torcedores em uma partida contra o Grêmio (FOTO: BRAZIL PHOTO PRESS/FOLHAPRESS – 18.9.201)

Aranha não quis entrar no mérito sobre as ações tomadas pelo STJD em relação aos casos de racismo. No entanto, pediu punições mais severas. “Não sou a pessoa mais competente para julgar se uma punição é justa ou não. Mas, na minha opinião, poderia ser mais severa, já que se trata de uma punição educativa como proibição de frequentar os jogos”, salientou o ex-atleta.

Para Aranha, os casos de racismo registrados no país, especialmente no futebol, que é o seu campo de ação, estão longe de terem um ponto final. E isso, na avaliação do ex-goleiro, parte também do histórico social do Brasil e o racismo estrutural presente na sociedade.

Envergonhados, torcedores do Grêmio pediram desculpas ao goleiro (FOTO: REPRODUÇÃO FACEBOOK)

“O Brasil nunca foi um país que se mobiliza para resolver questões sociais e raciais devido às suas raízes históricas de exploração dos mais frágeis e pobres que em sua maioria são negros. Acredito que a solução virá de uma mudança cultural”, finalizou Aranha.

Três atos em sequência; caso Celsinho, do Londrina, chama a atenção
O meia Celsinho, do Londrina, é mais um dos casos de racismo e injúria racial que seguem acontecendo – e sendo registrados com mais frequência do que se imagina – no futebol brasileiro. Mas a história do atleta que defende as cores da equipe paranaense chama a atenção pela sucessão de episódios. Foram três durante a disputa da Série B atual. O último veio em partida contra o Brusque, quando foi chamado de ‘macaco’ por Júlio Antônio Petermann, presidente licenciado do conselho deliberativo do Brusque. Ele foi identificado como autor da ofensa relatada pelo árbitro. O STJD interveio no caso e decidiu aplicar a perda de três pontos ao Brusque.

Celsinho (agachado), jogador do Londrina, foi vitíma de racismo em três partidas diferentes da Série B (FOTO: RICARDO CHICARELLI/LONDRINA DIVULGAÇÃO)

O jogador foi entrevistado pelo Super.FC e comentou que em todos os episódios sentiu o mesmo tipo de constrangimento. “Não teve diferença alguma da primeira para terceira. O constrangimento é por igual. Eu não consegui acreditar que mais uma vez aquilo estava acontecendo comigo. No momento nós não sabíamos quem era, mas o fato de ser uma pessoa ligada ao clube, presidente de conselho, um cara que deveria dar o exemplo, ter uma atitude daquela é muito revoltante”, declarou Celsinho, em entrevista ao Super.FC.

Antes do caso envolvendo o presidente do conselho do Brusque, um narrador e um comentarista da Rádio Bandeirantes Goiânia usaram termos como “cabelo pesado”, “bandeira de feijão” e “um negócio imundo” para se referir ao cabelo do atleta. Foi em uma partida contra o Goiás, no dia 17 de julho. A dupla foi afastada pela emissora após retratação nas redes sociais. Porém, em menos de uma semana, Celsinho foi atacado novamente durante uma transmissão. Cláudio Guimarães, da Rádio Clube do Pará, disse em jogo contra o Remo: “vai com seu cabelo meio ninho de cupim para bater na bola”. Ele também foi afastado e se retratou.

“Posso lhe garantir que o mesmo constrangimento que eu tive da primeira vez em Goiânia foi também contra o Brusque. Isso acaba influenciando mesmo, não só em mim, como na minha família, nos meus amigos e principalmente nos meus filhos”, lamentou Celsinho.

Os episódios balançaram a carreira do atleta, que destacou o apoio fundamental de companheiros e familiares para superar, expor e denunciar os criminosos envolvidos nos casos. No caso do grupo do Londrina, Celsinho reforçou que os demais jogadores externaram tamanho suporte que ele pôde compreender que aquela parceria não se restringia apenas ao campo de jogo.

“Os meus companheiros foram sensacionais desde a primeira vez. A primeira eu confesso que nós tomaríamos uma medida de uma outra forma, mas os meus companheiros me abraçaram assim de uma maneira que me deram muita força para a exposição daqueles dois criminosos. E isso me confortou muito porque eu senti que a amizade não se passava apenas ali, dentro de campo, nos treinamentos, e sim também na parte pessoal e principalmente naquele momento emocional. Eles me deram muita força e eu sou muito grato a isso. Todo o santo dia, quando tocam sobre esse assunto, eu agradeço, Foi de suma importância esse apoio”, salientou o atleta do Londrina.

 Em apoio a Celsinho, jogadores do Londrina gravaram um vídeo de protesto (FOTO: REPRODUÇÃO DE VÍDEO LONDRINA)

Pai de crianças negras, Celsinho também relatou à reportagem sobre a força dos familiares e especialmente a importância de se manter com a cabeça erguida para não sobrecarregar os filhos.

“Meus familiares sempre me apoiaram. Eu venho de uma família muito educada, que sempre prezou o respeito, independentemente das suas condições, cores ou sexo. Então, meus familiares, me apoiaram muito, me deram muita força. E eu como pai de duas crianças negras tive que manter a minha postura em pé para que isso não viesse sobrecarregar ainda mais a estrutura dos meus filhos”, contou Celsinho.

Caminho para mudanças
Celsinho apontou duas maneiras para que episódios como os sofrido por ele tenham soluções. Primeiro, ele pediu às vítimas que não se intimidem, mas lancem fora o medo e denunciem os casos, seja em qualquer esfera da sociedade.

“Eu acredito que o primeiro passo para combatermos são as pessoas que sofrem esse crime exponham, que não fiquem com medo, que não tenham receio. Não só no futebol, mas na sociedade em si. Porque nós sabemos que isso está no meio da sociedade, mas muitas das pessoas ficam retraídas, com medo e não expõem esses criminosos e isso deixa essas pessoas confortáveis. Então, eu acho que o primeiro passo são as vítimas exporem isso”, observou o jogador.

O outro caminho apontado Celsinho é de punições severas. Com as medidas legais e desportivas aplicadas, o atleta tem certeza de que tais criminosos serão tirados do seio da sociedade.

“O segundo são as punições. Elas têm que ser severas sim, essas pessoas têm que pagar pelo crime que eles cometem de todas as maneiras, fazer com que esses criminosos paguem até o fim. E só assim, passo a passo, como eu sempre digo, nesse trabalho de formiguinha, nós vamos conseguir tirar essas pessoas da sociedade”, projetou Celsinho.

Comunidade LGBTqI+ também sofre nos estádios

A democracia e interação em um campo de futebol são enormes. Estranhos se abraçam, pulam juntos como se fossem crianças, roem as unhas e se contorcem nas arquibancadas. Mas também existem componentes excludentes, especialmente quando se trata da comunidade LGBTQI+.

Yuri Senna carrega a marca desse ódio. Uma discriminação que o priva de frequentar as arquibancadas. Fundador da torcida cruzeirense Marias de Minas e também presidente da Canarinhos, coletivo nacional de torcidas LGBT, Yuri precisou até mesmo se afastar das redes sociais para cuidar da saúde mental, pois os ataques tornaram-se constantes. “Todo esse momento que eu já passei me trouxe muitos problemas. Não tenho vontade de voltar aos estádios. Além dessas situações, já vivenciei muitas coisas na internet, porque lá as pessoas não têm cara”, conta o torcedor Yuri.

Os crimes cometidos contra a comunidade LGBTQIA+ nos estádios de futebol são recorrentes e incluem cânticos e expressões que denotam o potencial discriminatório. Mas muitos desses casos acabam não tendo o tratamento necessário. Em 2020, durante o clássico Bahia e Vitória, torcedores do Leão da Barra afixaram de cabeça para baixo a camisa da torcida LGBT Tricolor, do Bahia. A denúncia de homofobia foi acatada pela Procuradoria da Justiça Desportiva de Futebol da Bahia. Porém, o Vitória acabou sendo absolvido porque o processo prescreveu.

Mais um caso no qual o árbitro da partida, Bruno Pereira Vasconcelos, não registrou o ocorrido na súmula do jogo.

Apoio
A torcida Canarinhos conta com escritório em São Paulo que presta assessoria jurídica para as torcidas LGBTQI+ do futebol brasileiro. Além do apoio legal, o coletivo está disposto a auxiliar árbitros, membros do colegiado do STJD e tribunais desportivos, clubes e jogadores, com cursos de conscientização e identificação de casos de homofobia. “São várias vertentes que explicam isso. São pessoas heterossexuais e que muitas vezes condicionam suas decisões até onde elas têm esse conhecimento. Uma prova disso é o porquê de os árbitros não colocarem os casos em súmulas. Isso está enraizado na cultura do futebol”, diz.

Luta incansável para acabar com o preconceito com a camisa 24

Ações simples, mas que são tratadas muitas vezes com descaso, como a batalha contra o preconceito velado contra o número 24 nas camisas do futebol. O torcedor Yuri Senna conta que chegou a mandar mensagens para jogadores do Cruzeiro no Instagram sobre o tema.

“Estamos dispostos a bater um papo com os jogadores e dirigentes, sentar com os clubes e conversar sobre como combater a LGBTFobia para não ser uma coisa só protocolar. Neste ano mesmo, eu conversei com quatro ou cinco jogadores do Cruzeiro, para ver se eles perdem esse medo de usar a 24. Um visualizou essa mensagem, mas não me respondeu”, relatou.

“É difícil prosseguir com essa luta, tem que ter muita capacidade mental, principalmente quando você ganha visibilidade. Você vira alvo, você sofre retaliação. Mas eu também me considero uma referência para a mídia, estudos, debates, dúvidas. Mas falta diálogo, nem todo mundo vai mudar”, reforça o fundador das Marias de Minas.

Homofobia praticada por atleta mexe com o país

Maurício foi demitido do Minas após o caso de homofobia (FOTO: INSTAGRAM/REPRODUÇÃO)

Enquanto muitos atletas e torcedores lutam para combater o preconceito e a discriminação em todas as suas formas, um caso de homofobia que partiu de um atleta chamou a atenção no país nesta semana. O central Maurício Souza foi demitido do Minas Tênis após postagens homofóbicas em suas redes sociais. O caso foi condenado por companheiros de seleção brasileira, como o ponteiro Douglas Souza, e até mesmo o técnico da seleção brasileira, Renan Dal Zotto.

Luta diária contra o machismo
Árbitra assistente aprovada para integrar o quadro da Fifa, a amazonense Anne Kesy Gomes de Sá, de apenas 29 anos, já ostenta uma longa rodagem no apito nacional. Filha de pai mineiro, com raízes em Ipatinga, ela concluiu o curso de arbitragem em 2009 e entrou na CBF em 2011. Em seu currículo lhe falta apenas uma presença na Série A, mas em todas as demais divisões e torneios nacionais, incluindo no feminino, Anne já esteve.

Anne já foi vítima do machismo em várias ocasiões (FOTO: Milly Barreto/Arquivo Pessoal)

“Sempre gostei de futebol, mas nunca gostei de jogar. Sempre morria de medo de me machucar”, conta Anne, em entrevista ao Super.FC. “O meu pai realizava campeonatos de bairro. Foi por meio destes campeonatos de várzea que eu fui me envolvendo com o pessoal da arbitragem. Um árbitro que trabalhava conosco, o Geraldo Gomes, me indicou porque a federação tinha aberto um curso exclusivo para mulheres. Tinha pouca mulher no quadro. Sem pretensão nenhuma me inscrevi no curso, com o passar das aulas fui gostando e acabei concluindo o curso”, relata a árbitra assistente.

Anne já possui uma década de campo. E neste período não foram poucas as barreiras. Na verdade, a jovem educadora que também se encontrou nos gramados segue superando obstáculos todos os dias. O esforço, a concentração, a atenção, o suar. Todos dobrados.

“Infelizmente esse espaço machista acaba cobrando da mulher que se propõe a entrar na arbitragem um alto nível constante. A gente tenta buscar sempre o dobro do preparo físico, o dobro de atenção, de uma concentração na partida, a gente tenta manter uma arbitragem 100% porque parece que se uma mulher erra, o erro dela é muito mais pesado do que se fosse o erro de um homem”, lamenta a assistente. “A gente se dedica muito para que não ocorra erros, porque a gente sabe que a cobrança é diferente por parte de jogadores, de comissão técnica e torcedores. Hoje a gente já tem um cenário um pouco mais diferente. A mulher já é muito mais aceita dentro de campo. Mas há 10 anos, quando eu entrei na arbitragem, era muito difícil, a gente ouvia coisas muito pesadas”, acrescenta Anne.

Em pleno 2021, o dobro de dedicação aplicada por Anne ao esporte não lhe impede de ser perseguida em campo por alguns. Na última semana, o STJD puniu o presidente do Fast Clube, Denis Cabral de Albuquerque, por discriminação contra a assistente em partida contra o Penarol, pela Série D. Punido com 120 dias de suspensão e multa de R$ 10 mil, Denis agrediu verbalmente Anne com as seguintes palavras: ‘sua má intencionada, v*, s*, vou fazer uma representação na CBF contra você’.

Anne garante que as cobranças em cima das mulheres são bem maiores (FOTO: Milly Barreto/Arquivo Pessoal)

“Eu vejo que no futebol atual não há espaço para esse tipo de coisa, machismo, preconceito. A gente ainda está longe de uma mudança de cenário, de uma mudança educativa. Mas é por meio das medidas impostas pela tribunal que a gente vai conseguindo avançar. Eu vejo que às vezes é uma questão de caráter, mas se a pessoa pega uma punição bem severa, multa em dinheiro, pega suspensão em dias, eu acho que ela vai pensar duas vezes em cometer aquilo novamente”, destaca Anne.

Para a árbitra assistente, a única maneira de trazer mudança à situação pensando a longo prazo é por meio da educação, da conscientização e do envolvimento dos clubes e entidades envolvidas com o futebol neste processo social.

“Acho que a gente só consegue combater isso com medidas sócio-educativas. A educação é muito importante. São campanhas, são os clubes levantarem a bandeira da igualdade, do respeito, terem essa consciência que o futebol pode ser um espetáculo maravilhoso se tiver respeito e educação”, encerrou Anne Kesy.

Fonte: O Tempo

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