Longe de ser uma medida abrupta, a decisão foi o resultado de um processo judicial que, pacientemente, esgotou todas as alternativas cautelares menos gravosas antes de recorrer à medida extrema

por Renan Bohus da Costa
A decretação da prisão preventiva de Jair Messias Bolsonaro, determinada pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito da Petição (PET) 14.129/DF, representa um marco na aplicação da lei penal brasileira. Longe de ser uma medida abrupta, a decisão foi o resultado de um processo judicial que, pacientemente, esgotou todas as alternativas cautelares menos gravosas antes de recorrer à medida extrema.
A análise técnica da decisão revela uma fundamentação robusta, alicerçada em três pilares centrais: o desrespeito sistemático às medidas cautelares, a configuração de um risco concreto à ordem pública e, de forma decisiva, a existência de um risco iminente de fuga para frustrar a aplicação da lei penal.
A prisão não foi um ato isolado, mas a consequência de uma escalada de transgressões às ordens judiciais. Após ser condenado pela Primeira Turma do STF a 27 anos e 3 meses de reclusão, Bolsonaro foi submetido a uma série de medidas cautelares diversas da prisão, conforme o art. 319 do Código de Processo Penal (CPP). Entre elas, destacam-se: uso de tornozeleira eletrônica com recolhimento domiciliar, proibição de contato com outros investigados e proibição de uso de redes sociais.
É crucial entender que a prisão preventiva opera sob o princípio da ultima ratio, ou seja, é o último recurso do Estado. A legislação processual penal, em respeito ao princípio da presunção de inocência, prioriza medidas menos severas. Contudo, a decisão do STF demonstra que a conduta do réu tornou essas medidas inócuas. O art. 312 do CPP é claro ao autorizar a prisão para a garantia da ordem pública, para a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. No caso em tela, a decisão se fundamentou solidamente em dois desses requisitos: a ordem pública e a aplicação da lei penal, ambas ameaçadas diretamente pelas ações do ex-presidente.
A decisão detalha como o ex-presidente desafiou repetidamente essas restrições. Em 4 de agosto de 2025, por exemplo, o uso indevido das redes sociais levou ao endurecimento das medidas, com a decretação da prisão domiciliar integral. O descumprimento de medidas cautelares é um fundamento legal expresso para a decretação da prisão preventiva, conforme o § 1º do art. 312 do CPP. A reiteração dessa conduta demonstrou que nenhuma outra medida seria suficiente para garantir o cumprimento das ordens judiciais.
Dois eventos ocorridos na véspera da prisão foram determinantes para a decisão do Ministro Alexandre de Moraes. A convocação de apoiadores para uma “vigília” em frente ao condomínio do réu foi interpretada pelo STF como uma reedição do modus operandi da organização criminosa. O objetivo, segundo a decisão, era “causar tumulto” para obstruir a fiscalização e, potencialmente, “facilitar eventual tentativa de fuga”. A manobra foi vista como um risco concreto à ordem pública. O ato final e inequívoco foi a violação do equipamento de monitoramento eletrônico, registrada à 00h08 do dia 22 de novembro. A decisão é taxativa ao afirmar que o ato “constata a intenção do condenado de romper a tornozeleira eletrônica para garantir êxito em sua fuga”. Esse fato, por si só, eliminou a principal ferramenta de controle do Estado, tornando a prisão a única alternativa viável.
A interpretação do STF sobre a “vigília” não pode ser dissociada do contexto de ataques às instituições democráticas. A convocação foi vista não como um exercício de liberdade de manifestação, mas como um ato deliberado para criar um ambiente de intimidação e confronto, similar a táticas já utilizadas para obstruir a justiça. Ameaçar a ordem pública, nesse sentido, significa também desafiar a autoridade do Poder Judiciário e criar instabilidade social para fins particulares, o que justifica uma resposta firme do Estado para preservar a paz social e o respeito às decisões judiciais.
O principal fundamento para a conversão das medidas cautelares em prisão preventiva foi o periculum libertatis, o perigo gerado pelo estado de liberdade do réu. Esse perigo se materializou, principalmente, no risco iminente de fuga, que visava frustrar a aplicação da lei penal. A decisão não se baseou em meras suposições. A Polícia Federal apresentou informações concretas que sustentaram essa conclusão: histórico de planejamento de fuga (planos de busca por asilo); proximidade geográfica (a apenas 13 km do Setor de Embaixadas); e a fuga de corréus (como Alexandre Ramagem e Carla Zambelli), que demonstrou ser uma estratégia recorrente do grupo.
A combinação desses elementos, convocação de tumulto, rompimento do monitoramento e um histórico de planejamento de fuga, formou um cenário que, juridicamente, justificava plenamente a decretação da prisão. A sequência de fatos demonstra a aplicação do princípio da proporcionalidade de forma progressiva. O Judiciário iniciou com as medidas mais brandas e, diante de cada novo descumprimento, foi forçado a intensificar o rigor, culminando na prisão como a única medida proporcional à gravidade dos atos e à ineficácia das anteriores.
A prisão preventiva de 22 de novembro de 2025 não foi uma decisão política, mas um ato de natureza estritamente técnica e processual. Ela reafirma um princípio fundamental do Estado de Direito: ninguém está acima da lei. Ao esgotar todas as medidas alternativas e agir somente diante de fatos novos e concretos, o Supremo Tribunal Federal aplicou a legislação de forma criteriosa.
O caso se torna exemplar não pela figura do réu, mas pela mensagem que transmite: a democracia brasileira possui os mecanismos necessários para responsabilizar aqueles que atentam contra ela e que se recusam a cumprir as decisões de suas instituições.
Por Renan Bohus da Costa, advogado criminalista. Especialista em Direito Penal. Mestrado em Direitos Fundamentais.
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