Quem leva a sério um julgamento de Temer presidido por Gilmar?

 – Por Tereza Cruvinel –  
Embora tenha começado hoje no TSE – mas já adiado por conceder mais prazo à defesa e realizar novas oitivas – um julgamento que teoricamente pode levar ao afastamento de Michel Temer da presidência, no mundo do poder ninguém teme que isso aconteça. E uma das razões para o ceticismo vem do fato de que o julgamento de Temer será conduzido por quem não esconde a amizade que os une “há mais de 30 anos”, o ministro Gilmar Mendes. Em qualquer lugar do mundo, um juiz na posição de Gilmar estaria se declarando impedido para levar o julgamento adiante. Como isso não ocorrerá, o que se espera é uma arrastada encenação para salvar Temer no final. Para quê, ninguém sabe, pois o desastre já produzido por seu governo consolidou a certeza de que ele não sabe o que fazer com o Brasil. Segundo a pesquisa Ipsos mais recente, 90% dos entrevistados acham que o país está no rumo errado.

Gilmar e Temer, segundo levantamento da BBC Brasil, tiveram nada menos que oito encontros privados desde maio passado. Sempre dizem que se encontraram para tratar de temas de interesse público, como a reforma eleitoral, por exemplo. Quando questionado, mais de uma vez, entretanto, Gilmar disse ser notório que ele e o presidente têm relações de “companheirismo e diálogo” há mais de 30 anos. Em outras ocasiões falou de amizade, e em outras de convivência acadêmica ao longo de décadas. Mas, como cobrou o jurista Marcelo Neves, professor da UnB: se eles conversaram sobre assuntos de interesse publico, os encontros deviam estar em suas agendas, seguindo o preceito da transparência. Se foram ditados pela amizade, justificam a suspeição de Gilmar como juiz do amigo.

Foi Gilmar, aliás, como escrevi aqui, que forneceu o argumento central da defesa de Temer, quando o julgamento começou a entrar na agenda pública. Em entrevista, afirmou que a jurisprudência do tribunal sustenta a indivisibilidade da chapa, responsabilizando seus dois integrantes por eventuais irregularidades. Mas citou uma exceção: o caso do ex-governador de Roraima Ottomar Pinto, que morreu durante o julgamento de ação pela cassação da chapa que o elegeu governador. O tribunal o condenou mas isentou o vice de responsabilidade e garantiu seu mandato. A defesa de Temer agora se agarra justamente ao caso de Ottomar Pinto para pedir a cisão da chapa, alegando que Dilma e Temer tinham estruturas financeiras separadas. A defesa de Dilma já provou que ele teve funcionários, passagens aéreas e outros gastos bancados pelo comitê financeiro da campanha. Mas no Brasil esta questão de provas há muito deixou de ser determinante. Se o TSE quiser, cindirá a chapa e pronto. O julgamento presidido por Gilmar não está sendo levado a sério pela classe política e muito menos pela população.

Gilmar é o protagonista principal mas conta com atores coadjuvantes. Logo após o início dos trabalhos, nesta segunda-feira, o ministro Napoleão Nunes pedirá vistas do processo para conhecer melhor o assunto. Coitado, não teve tempo, embora a ação tenha sido impetrada pelo PSDB logo depois da vitória da chapa Dilma-Temer na eleição presidencial de 2014. “Não há pedido de vistas a perder de vista”, disse ontem Gilmar. Mas, para a estratégia palaciana, qualquer semana perdida será preciosa. O Planalto espera concluir a nomeação de dois novos ministros antes do julgamento final, assegurando maioria para salvar o mandato de Temer.

Três são os desfechos possíveis para a peça que entra em cartaz agora.

1) Num cenário de absoluta indiferença pelo julgamento, o tribunal de Gilmar esticacará o julgamento ao máximo para, no final, absolver Temer e condenar Dilma à inelegibilidade.

2) Havendo um desconforto social notável com a farsa do julgamento, poderá formar-se uma maioria mais briosa, disposta a cassar a chapa, preservando porém os direitos políticos de Temer. O grupo político que deu o golpe e sustenta Temer poderá então seguir a sugestão de Gilmar e, suprema humilhação para a cidadania, eleger Temer indiretamente como presidente pelo Congresso.

3) Se a indignação com a esculhambação produzir um levante das ruas e um forte movimento por eleições diretas, o TSE poderá fazer a sua parte, cassando a chapa e os direitos políticos de ambos, deixando o resto com o Congresso. Gilmar declarou nesta segunda-feira que, havendo a cassação de Temer, a única saída será pelas eleições indiretas. Mas duração de mandato não é cláusula pétrea, e o Congresso, que se gabou tanto de ter ouvido as ruas para fazer o impeachment, poderá ouvi-la novamente e aprovar uma emenda constitucional antecipando o pleito de 2018 para este ano.

Ou seja, só as ruas podem mudar o rumo da farsa que o TSE vem ensaiando e começará a representar hoje. Abril começou com manifestações robustas. Vai depender muito delas.

*Jornalistas

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