• Por Gilmar Ribeiro

Análises de pesquisas entre o primeiro e segundo turno precisam levar em consideração os resultados eleitorais do primeiro. Nesse patamar o resultado é soberano. Ademais, devemos trabalhar, em eleições com disputa muito acirrada, com números absolutos. Os percentis oriundos das pesquisas eleitorais são ferramentas insubstituíveis, mas quando temos em mãos dados advindos das urnas convém priorizá-los. Sendo assim optamos por elaborar uma análise simples da disputa eleitoral para a presidência da República com maior ênfase nos resultados eleitorais do último dia dois de outubro.
Foram 118.229.719 votos válidos. Destes, Lula obteve 57.259.504 e Bolsonaro 51.072.345. Uma diferença, portanto, de exatos 6.187.159. Lula esteve, no primeiro turno, a 1.855.357 votos da vitória, ou seja, 50% mais um voto dos votos válidos. Muito se tem especulado sobre o patamar de votos em disputa para o segundo turno. Os outros nove candidatos somaram 9.897.870 votos. São os eleitores de fato em disputa no segundo turno. Existem ainda 1.964.779 votos em branco, e 3.487.874 votos nulos para presidente. Eles somam exatamente 5.452.653 votos. Alguns analistas estão somando os votos em outros candidatos aos brancos e nulos e informando o montante de 15.000.000 de votos em disputa no segundo turno. Outros somam a estes as abstenções, chegando a números absurdos, mais de trinta milhões de votos em disputa.
A experiência demonstra a ocorrência de alguns raros casos, onde quem votou no candidato A no primeiro turno votará no candidato B no segundo e vice versa. Mas isto não tem importância em um universo de mais de cem milhões de votos válidos. Reduzir a abstenção em locais onde o candidato foi bem votado é uma obrigação do mesmo. No caso do Lula, no Nordeste, onde ele obteve dois terços dos votos válidos, é muito pertinente a luta para reduzir a abstenção, mesmo o retrospecto não sendo muito animador em relação a tais tentativas. Existe um padrão histórico de menor comparecimento dos eleitores no segundo turno, variando entre um milhão e meio e quatro milhões e meio nas eleições presidenciais no Brasil, desde as eleições de 2006. A abstenção tende a ser maior no segundo turno em relação ao primeiro. No entanto, por incrível que pareça, o não comparecimento não significa necessariamente menor quantitativo de votos válidos no segundo turno.
A tabela apresentada ao final do texto demonstra a tese da dificuldade de se reduzir a abstenção, até mesmo porque ela é decorrente de inúmeros e na maioria das vezes incontroláveis fatores. Ao contrário, é possível reduzir significativamente os votos brancos e nulos, pois parte deles decorre do voto de protesto, mas outra parte do simples erro ou falta de paciência do eleitor para votar sete vezes no primeiro turno, com o agravante do voto para presidente ser o último. No segundo turno são apenas dois votos, no máximo.
Quanto mais acirrada a disputa eleitoral, como no caso das eleições de 2014, maior a chance de se reduzir os votos brancos e nulos e consequentemente aumentar os votos válidos. Nas eleições de 2014 um total de 2.439.004 eleitores votaram no primeiro turno e não compareceram para votar no segundo. Mas os votos validos somaram 1.518.471 a mais no segundo turno em relação ao primeiro. Isto se explica pela grande redução dos votos nulos e brancos no segundo turno em relação ao primeiro. Naquele pleito 3.957.475 eleitores que votaram branco ou nulo no primeiro turno, no segundo votaram em Dilma ou em Aécio. Tal fato ocorreu nessa dimensão apenas em 2014, quando a disputa entre os dois turnos foi muito acirrada.
As eleições de 2022 tendem a repetir alguns padrões de 2014, apontam os resultados eleitorais do primeiro turno. A diferença de menos de sete milhões de votos entre os dois candidatos, a grande abstenção e a elevada temperatura da disputa tendem a mobilizar os dois lados na tentativa de aumentarem seus votos. É fato, os candidatos possuem um quantitativo de 9.897.870 de votos depositados na urna para os nove candidatos derrotados no primeiro turno. Podem ser somados aí pelo menos parte dos cerca de cinco milhões de votos nulos e brancos do primeiro turno. Calculamos, a partir da análise de cinco eleições anteriores, estarem realmente uma parte dos brancos e nulos, podem ser de dois a três milhões de votos, também na disputa. Mas eles estão fora dos votos válidos. Esses votos, ao passarem para um dos candidatos aumentam os votos válidos, exigindo um acréscimo no quantitativo de votos necessários para se vencer a eleição no segundo turno. Em síntese, enquanto a disputa ocorre entre os votos dos eleitores derrotados os votos necessários para a vitória são, 1.855.357 para a vitória do Lula e 8.042.516 votos para Bolsonaro chegar à vitória. Ao se reduzir a abstenção, quadro muito difícil, ou reduzir o quantitativo de brancos e nulos, o número de votos necessários para a vitória seria majorado proporcionalmente ao aumento dos votos válidos.
A disponibilidade dos votos desagregados por região ilustra melhor o quadro da disputa. Dos cerca de 10.000.000 de votos dos candidatos agora fora do segundo turno, cerca de 5.000.000 estão no Sudeste, 2.000.000 no Nordeste e 1.500.000, aproximadamente, no Sul. O Centro-Oeste e o Norte possuem apenas pouco mais de meio milhão de votos desses ex-candidatos. Os brancos e nulos se distribuem em proporção semelhante, 2.7000.000 aproximadamente, no Sudeste, 1.500.000 no Nordeste, pouco mais de 600.000 no Sul e pouco mais de 200.000 votos tanto no Centro-Oeste quanto no Norte. Está claro, a batalha será decidida no Sudeste e no Nordeste, pois juntos possuem quase dois terços dos últimos votos em disputa, próximo do peso das duas regiões no conjunto do eleitorado brasileiro. Assim como o triângulo São Paulo, Minas e Rio de Janeiro no Sudeste, no Nordeste temos Bahia, Pernambuco, Ceará e Maranhão, os quatro somam quase trinta milhões eleitores, portanto, concentram a maior quantidade de votos restantes a serem disputados no Nordeste. Serão concentradas nesses sete estados as batalhas finais pelo voto, pois as possibilidades de vitória e derrota ocorrerão a partir dos mesmos, não desmerecendo os demais estados da federação, óbvio.
As pesquisas estão aos poucos ocupando o seu lugar no processo eleitoral. Elas são ferramentas imprescindíveis nas democracias modernas. No Brasil, por inúmeros motivos, as pesquisas começaram a ocupar o lugar da busca pelos votos dos eleitores. Pesquisas podem mudar resultados eleitorais, pois no limite podem imobilizar quem está em posição supostamente confortável e energizar quem está em posição de desvantagem. Também podem retirar o ânimo dos supostos derrotados e consolidar a posição dos supostos vencedores. Quem se arisca a simplesmente esperar as eleições, confiando nos números das pesquisas eleitorais pode ter surpresas desagradáveis, pois pesquisas não foram concebidas para substitui as campanhas eleitorais, pelo contrário. São apenas uma ferramenta, dentre tantas outras, para as campanhas eleitorais.

* Gilmar Ribeiro dos Santos é cientista político graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais; especialista em Semiótica e Teorias do Discurso pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutor em Educação: História, Política e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *