Com treinadores pressionados antes de competições importantes, as seleções masculina e feminina de futebol capricham no discurso, mas decepcionam na prática

Mesmo invicta após a Copa do Mundo, a seleção brasileira masculina inspira desconfiança. A menos de três meses da estreia na Copa América, o time que não disputa amistosos no Brasil há mais de dois anos não encanta nem deslancha. O empate contra o Panamá e a vitória de virada sobre a República Tcheca, ambos em solo europeu, expuseram uma performance que coloca em xeque as possibilidades de título na competição sediada em seus domínios. Sem Neymar, a equipe voltou a apresentar dificuldades para envolver adversários tecnicamente inferiores. A lua de mel de Tite, quase uma unanimidade antes da Copa, e a torcida, cada vez mais afastada da seleção, chegou ao fim. E os sinais de evolução já não são tão visíveis como no início de sua trajetória no comando.

Apesar do desempenho nada empolgante, Tite mantém um discurso de confiança. Porém, até mesmo o tom professoral, recheado de expressões técnicas que consagraram o vocabulário titês, como “extremos desequilibrantes” para se referir a pontas rápidos e habilidosos, dá indícios de desgaste. A eliminação para a Bélgica nas quartas do Mundial transformou o personagem por vezes cativante construído pelo treinador em uma caricatura que remete aos palestrantes motivacionais. Pressionado pela cultura resultadista e o imediatismo do futebol, embora resultados não sejam exatamente um problema na sequência de sete vitórias e um empate pós-Copa, Tite entende que o jogo sem brilho se encaixa em um processo de renovação da equipe. “O momento é de dar oportunidade aos jovens. Seria anormal se a gente tivesse dando espetáculo”, justifica o técnico.

Depois da Copa, nomes como Arthur, David Neres, Paquetá e Richarlison ganharam espaço com Tite. Mas a incorporação de jovens jogadores ainda é tímida, visto que a comissão técnica não abre mão de preservar a base do time que, um ano atrás, conciliava performance com resultado. Aposta em novidades e reformulações profundas que costumam marcar os desfechos dos ciclos de Copa vão de encontro à filosofia de Tite. Em 2006, Dunga assumiu o lugar de Parreira com perfil linha-dura e um grupo de jogadores com mais comprometimento que talento. Quatro anos mais tarde, Neymar iniciaria seu reinado sob a batuta de Mano Menezes, que foi substituído pelo pragmatismo de Felipão. O retorno de Dunga, que chegou a empolgar nos primeiros amistosos, resultou em fracassos em duas Copas América. Tite apagou o incêndio, acertou em cheio ao preencher a lacuna da camisa 9 com Gabriel Jesus e converteu, em menos de dois anos, uma equipe desacreditada em favorita para o Mundial.

O “fato novo” de seu primeiro começo de ciclo poderia ser Vinicius Junior, que, aos 18 anos, virou titular do Real Madrid. No entanto, o atacante rompeu ligamentos do tornozelo antes de se apresentar à seleção principal. Poderia, sobretudo, ser uma alternativa para suprir a ausência de Neymar, novamente lesionado às vésperas de uma competição importante. Contra o Panamá, o pior jogo da era Tite, o Brasil exibiu problemas na criação de jogadas e, com uma linha de defesa inédita, também sofreu com uma velha fragilidade. O gol panamenho, ainda que impedimento, saiu da mesma bola aérea que foi determinante para o tropeço na estreia da Copa, diante da Suíça, e a eliminação para os belgas. Paralelamente aos ajustes táticos, Tite precisa lidar com o momento de baixa vivido por alguns de seus homens de confiança na Europa, como Casemiro, Miranda, Philippe Coutinho e Marcelo, reserva no Real e ausente da última convocação.

Má fase no feminimo
A entressafra também atinge outra seleção que, além do desempenho, amarga maus resultados. Uma semana antes da Copa América, o Brasil estreia contra a Jamaica no Mundial feminino, em junho. Treinada por Vadão, a equipe vem de oito derrotas em nove jogos, sua pior sequência na história. Dependente das jogadoras mais experientes, como Marta e Cristiane, de 33 anos, e Formiga, que, aos 41, se encaminha para sua sétima Copa, o time não deu mostras de reação no último torneio que disputou. Três derrotas em três jogos, pouca inspiração e nenhuma consistência tática. “Nós demos uma estacionada, enquanto outros países evoluíram na modalidade”, explica Vadão, sem entrar em detalhes sobre os motivos de não conseguir fazer a seleção jogar melhor nem mesmo com a maior jogadora de todos os tempos (Marta) à disposição. O coordenador Marco Aurélio Cunha adota um discurso semelhante. “Temos enfrentado as grandes seleções do mundo. Os resultados não vêm da noite pro dia.”

Por sua vez, a seleção de Tite acumula testes contra adversários frágeis, dando continuidade à política da CBF que privilegia o faturamento com amistosos no exterior ao critério técnico para escolha de rivais que imponham de forma mais fiel o nível exigido em competições. Além da fase de estagnação, a única coincidência que une as seleções masculina e feminina, ainda bem distante das estruturas, remuneração e premiação oferecidas aos homens, é o fato de serem administradas por uma confederação que coleciona mais processos de dirigentes envolvidos em escândalos de corrupção do que triunfos no campo. Em duas semanas, o Coronel Nunes, alçado à presidência da CBF depois do banimento de Marco Polo Del Nero, passa oficialmente o bastão para Rogério Caboclo. Caberá ao antigo braço direito de Del Nero decidir sobre o futuro de dois treinadores questionados. Os “fatos novos” de seu ciclo como máximo cartola do futebol brasileiro dependem do sucesso – ou do fracasso – na Copa América e na Copa do Mundo feminina.

Brasil El País

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