A ressurreição da Seleção Peruana
– E tem sido assim, tirando ensinamentos de cada atribulação, de cada contratempo, de cada derrota, que o Peru tem recuperado o prestígio, nacional e internacionalmente
Esqueçam os milionários astros sul-americanos que atuam no futebol europeu, as seleções mais badaladas do continente, os treinadores de prestígio mundial… A esta altura do campeonato, se há uma equipe a ser admirada nesta Copa América é a peruana. A grande volta por cima dos comandados de Ricardo Gareca, contudo, não é obra do acaso, nem tampouco fato isolado. É apenas mais um episódio de superação de um script que começou a ser desenhado em março de 2015, quando o técnico argentino foi contratado. Arrisco-me a dizer que, há quatro anos, talvez nem ele pudesse imaginar quão longe chegaria. E aqui não vai nenhum desprezo a Gareca nem a seus jogadores. Pelo contrário: é o reconhecimento ao surpreendente trabalho que eles vêm fazendo.
Na imprensa peruana, o termo mais usado para descrever a ascensão da Seleção Peruana com Gareca é ressurreição. O argentino pegou um grupo desacreditado no país. Ele mesmo estava em baixa, já que seis meses antes havia sido demitido do Palmeiras depois de quatro vitórias, um empate e oito derrotas, somente 33% de aproveitamento.
Mas aí o destino uniu a necessidade que o Peru tinha de se reapaixonar pelo futebol, um técnico precisando de um trabalho sólido e bons jogadores em busca de comandante para criar uma sinergia positiva. Deu certo. Independentemente do que ocorrer domingo, no Maracanã, na decisão da Copa América, diante do Brasil, já deu muito certo.
Gareca diz que sua seleção foi forjada nas adversidades. Por isso, chega à final do torneio no auge da forma física e mental. Depois de serem impiedosamente goleados pelo Brasil (5 a 0), na fase de grupos, e de se classificarem na cota dos melhores terceiros colocados, os peruanos entraram nas oitavas de final como azarões, diante do Uruguai. Deixaram o até então maior candidato ao título pelo caminho. Foram franco atiradores contra o Chile, nas quartas. E se superaram novamente. Diante da equipe canarinho poderá um raio cair no mesmo lugar pela terceira vez?
“Não transformamos aquela derrota em um drama, mas em uma lição”, destacou o treinador, ao analisar a jornada na Copa América desde a retumbante goleada para o Brasil. E tem sido assim, tirando ensinamentos de cada atribulação, de cada contratempo, de cada derrota, que o Peru tem recuperado o prestígio, nacional e internacionalmente. Contrariando estatísticas, surpreendendo os críticos e jogando por terra teses preconcebidas. Ainda: quebrando casas de apostas.
Gareca vem construindo esse roteiro desde seu primeiro dia como treinador da Seleção Peruana. Formou uma espinha dorsal consistente, contou com uma geração talentosa e uma forte referência técnica – o atacante Paolo Guerrero. Acreditou no projeto.
No fim de 2017, depois de garantir a volta do Peru a uma Copa do Mundo após 36 anos de ausência, ele disse, em entrevista ao jornal Clarín, que sua meta profissional sempre foi chegar ao comando da seleção de seu país. Mas a Associação de Futebol Argentino não quis (ainda) apostar em Gareca.
Não há garantia alguma de que, se em vez de aceitar o convite para dirigir a equipe peruana ele tivesse sido nomeado técnico da alviceleste, os hermanos teriam tido desempenho melhor, evoluído e até quebrado o incômodo jejum de títulos que dura mais de duas décadas. Não há certezas no futebol, sabemos. Mas imagino que essa pulguinha deve ficar atrás da orelha de muito argentino ao ver o sucesso do compatriota na terra do ceviche.
Quem observa de longe tudo que vem ocorrendo com o Peru pode pensar que a trajetória até aqui foi fácil. Não foi. Gareca teve de driblar muita desconfiança, administrar a perda de seu principal jogador, punido por doping; resgatar a autoconfiança do time. Mais do que isso: encontrar um time. “Formamos este grupo em situações difíceis. Sempre houve dúvidas. Mas nos embasamos no que pensamos sobre nós mesmos, não no que pensam os outros. E por isso ficamos fortes. É inevitável que opinem sobre nós. Bem ou mal, não sei. O que me interessa é o que pensamos de nós mesmos”, disse certa vez, em outra de suas tiradas filosóficas.
De saco de pancadas, o Peru se tornou um exterminador de favoritos. Domingo, a seleção que se transformou no grande case da Copa América’2019 vai tentar seu terceiro título do torneio – foi campeã em 1935 e 1975. Mais uma vez, entrará em campo como zebra, já que, em 44 confrontos contra o selecionado brasileiro, soma mínguas quatro vitórias. Os jogos contra Uruguai e Chile, contudo, deixam o alerta. Menosprezar a equipe de Gareca pode ser uma grande armadilha. Um erro fatal.
Via Superesportes