“Essa gravíssima situação nos faz meditar sobre outros tipos de “vírus”, mais comuns e sorrateiros, presentes entre nós^
As últimas semanas trouxeram uma preocupação a mais para todos. Trata-se do novo coronavírus, identificado como COVID-19, descoberto no final do ano passado após casos registrados na China, e que se espalhou por boa parte do mundo e já chegou ao Brasil. Na China, Itália e Irã fez centenas de vítimas. A comunidade internacional está mobilizada para conter a sua expansão e um país inteiro, a Itália está de quarentena, algo jamais visto. A OMS declarou ser uma pandemia. Esse triste fato permite entender melhor a globalização: em poucos dias um vírus se espalha pelo mundo e desestabiliza economias fortes e, além de mortes, produz inúmeros outros problemas para as localidades com pessoas infectadas. É fundamental seguir as instruções de prevenção. Nossa solidariedade às famílias enlutadas e aos infectados.
Essa gravíssima situação nos faz meditar sobre outros tipos de “vírus”, mais comuns e sorrateiros, presentes entre nós. Eles parecem não afetar bruscamente a saúde física das pessoas. Lembrei-me do saudoso Dom Luciano Mendes, numa entrevista, dizendo que a sociedade hodierna foi contaminada pelo vírus do consumismo. Concordo com essa metáfora. O consumismo é uma doença que está na estrutura da sociedade de mercado. Ele se aproveita das vulnerabilidades do ser humano, tais como a busca incansável do conforto e o insaciável desejo de possuir mais. É capaz de destruir relações familiares e de amizade, carreiras de sucesso e tornar pessoas escravas das diversas formas de crédito pessoal. Nesse caso, a vacina é conhecida e eficaz. Chama-se sobriedade. Mas poucos a procuram. Preferem o risco da exposição.
Como o do consumismo, há outro vírus, também muito danoso para a integridade humana. Foi Papa Francisco quem o nomeou. Chama-se autorreferencialidade. Ele ataca a capacidade da pessoa de reconhecer os outros e a faz dobrar-se sobre si mesma, tornando-se egocêntrica. Aqueles que são contaminados perdem a sensibilidade para as questões sociais e quando são solidários, fazem-no pela vaidade de serem reconhecidos e aplaudidos. Procuram seus nomes nas colunas sociais e chateiam-se quando não são saudados com elogios. Nos momentos mais parcos não hesitam em agir com egoísmo. Também para esse vírus é conhecida a vacina. Seu nome é altruísmo. Há pessoas cujo estilo de vida as deixou imunizadas para esse vírus. Uma delas é bastante conhecida, Santa Dulce dos Pobres.
Outro vírus tem contaminado muita gente, inclusive cristãos que se pensavam imunes, porque discípulos daquele que pregou a não violência e ensinou a bem-aventurança da mansidão. Esse vírus é realmente letal, chama-se ódio dos outros. Ele faz a pessoa defender o uso das armas como solução para a falta de segurança. Obscurece de tal maneira o senso crítico da pessoa infectada que ela sequer desconfia de informações recebidas sem fonte confiável e espalha logo as fake news, independente do que seja. Deixa a pessoa incapaz de dialogar com adversários políticos e a faz preferir a falta de liberdade ao invés de defender a democracia e o estado de direito. Quando cristãos, a vacina conhecida é o evangelho de Jesus Cristo e a doutrina social da Igreja. Contudo, o tratamento é mais difícil quando a pessoa é acometida de um exagerado esvaziamento do espírito, a chamada “esquizofrenia espiritual”.
Há diversos outros vírus que destroem a humanidade. Todos nós devemos tomar as cautelas a fim de preveni-los e combatê-los
*Dom João Justino de Medeiros Silva é Arcebispo Metropolitano de Montes Claros