Regras embutidas na MP da Liberdade Econômica aprofundam o desmonte da legislação trabalhista inciada por Temer

Enquanto todos os olhos estavam postos sobre a reforma da previdência, uma medida provisória – a 881, editada pelo presidente Bolsonaro em 30 de abril – foi apreciada pela comissão especial no congresso e, na surdina, segue os trâmites para virar lei em 120 dias. Denominada MP da Liberdade Econômica, ela tinha como proposta desburocratizar a vida das empresas mas, na prática, desmonta ainda mais a legislação trabalhista e restringe os direitos dos trabalhadores – é na verdade uma minirreforma da CLT, que aprofunda a reforma trabalhista do governo Temer.

Aproveitando o caráter de urgência das MPs, a da Liberdade Econômica ganhou uma porção de jabutis em seu passeio pelo congresso e, em consequência, pelos lobbies empresariais. Os 19 artigos iniciais se tornaram mais de 50 e apenas um deles muda 36 pontos da CLT. Certo é que, se as mudanças fossem boas, teriam campanha publicitária e estariam sendo discutidas em todos os telejornais – mas a MP tramitou enrustida e sorrateira e, como tal, foi relatada e aprovada.

É claro que ela traz propostas que agilizam processos e economizam recursos, como a emissão preferencial de Carteira de Trabalho em formato eletrônico, tendo como número o CPF. O texto permite, por exemplo, que atividades de baixo risco não precisem de alvará para funcionar. E ajuda start ups, reduzindo burocracia nas fases iniciais de implementação de um bem ou serviço.

Porém, são vários os pontos polêmicos sob o ponto de vista dos trabalhadores que demandariam mais debate público. Faltou transparência numa proposta que, entre outros desatinos, reduz fiscalização sobre as empresas, desobriga-as de cumprir o descanso semanal e, através de várias “flexibilizações”, coloca em risco a saúde e a segurança dos trabalhadores.

Para começar, quem ganha mais de 30 salários mínimos, não terá socorro da CLT. Os contratos serão feitos à luz do Direito Civil e partem do pressuposto de que o empregado mais qualificado tem o mesmo peso na mesa de negociação que uma grande empresa. Para muitos especialistas, este artigo pode ser visto como um “treino” para a “carteira verde e amarela”, uma proposta de campanha de Bolsonaro pela qual a negociação individual estaria acima da CLT. Em um país com mais de 14 milhões de desempregados, imaginem a força do lado de cá para este embate.

O parecer aprovado na comissão autoriza o trabalho aos domingos e feriados, sem permissão prévia, inclusive no agronegócio. Em determinadas condições climáticas, o agricultor poderá ficar quase duas semanas sem descanso em uma atividade pesada. O trabalho nos domingos vem como mais uma fórmula mágica para reduzir o número de desempregados, a mesma alegada há dois anos na reforma de Temer. Mas será que é isso mesmo?

Artigo no site Conjur, assinado pelos juízes do trabalho Cesar Zucatti Pritsch, Fernanda Antunes Maques Junqueira e Ney Maranhão, diz que, nos países escandinavos, por exemplo, a empregabilidade vem acompanhada da redução da jornada de trabalho, e não de seu elastecimento. A jornada semanal da Suécia, aliás, foi reduzida para 40 horas semanais, com possibilidade de se chegar a 30 horas (ainda em discussão), justamente para se garantir e fomentar a maior inserção de trabalhadores no mercado econômico. Aqui – talvez por uma maior sapiência dos nossos legisladores (e isso é sarcasmo, gente) – é diferente. Aumenta-se a jornada de trabalho e, simultaneamente, os riscos à saúde física e psíquica do trabalhador.

A MP restringe a possibilidade de que sócios de uma empresa que quebra arquem com dívidas de suas companhias, entre elas trabalhistas. Pela proposta, se a empresa quebra os trabalhadores podem ficar sem receber salários e indenizações devidas enquanto os sócios se safam ilesos.

No Projeto, as Cipas (as comissões internas de prevenção de acidentes) continuam facultativas em locais com menos de 20 trabalhadores, mas não precisam funcionar nas pequenas e microempresas, independente do perigo das atividades. Um artigo que fecha os olhos para o fato de que o Brasil é um dos campeões mundiais de acidentes de trabalho. Por que esse jabuti estaria ali? Ora, os cipistas têm estabilidade no emprego….

A MP também reduz a fiscalização sobre infrações no ambiente de trabalho. Para casos não listados como graves (e quais seriam?) pelo governo, os auditores fiscais devem orientar e não multar a empresa na primeira visita. Num país onde a fiscalização não funciona, a dupla visita pode se transformar na regra e não na exceção. Os empresários podem achar mais interessante receber a fiscalização primeiro e só depois providenciar condições dignas de trabalho para seus funcionários.

Enfim, a ideia é desregulamentar, reafirmando o mantra empresarial brasileiro de que os direitos trabalhistas travam a economia. A MP da Liberdade Econômica mostra o Estado girando em torno da pessoa jurídica e colocando o ser humano em segundo lugar, ao lhe negar proteção à saúde e segurança. Esta é uma reforma feita para empresários que, nos últimos tempos, estão se esquecendo de um mandamento essencial: se os trabalhadores não tiverem um mínimo de estabilidade, eles não vão ter segurança para comprar. E sem consumidores, não existem empresas.

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