Apesar das pressões de bastidores, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará os militares que participaram dos atos terroristas contra as sedes dos Três Poderes em Brasília no fatídico 8 de janeiro. A decisão com forte carga simbólica foi tomada pelo ministro Alexandre de Moraes nesta segunda-feira (27). Em seu despacho, ele realçou que não pode haver distinção entre servidores civis e militares na apuração da fracassada tentativa golpista.

“A responsabilização legal de todos os autores e partícipes dos inúmeros crimes atentatórios ao Estado Democrático de Direito deve ser realizada com absoluto respeito aos princípios do Devido Processo Legal e do Juiz Natural, sem qualquer distinção entre servidores públicos civis ou militares”, afirmou o relator do processo no STF, que ainda acrescentou: “A Justiça Militar não julga ‘crimes de militares’, mas sim ‘crimes militares’”.

Alexandre de Moraes atendeu a um pedido da Polícia Federal, que solicitou permissão para abrir um inquérito contra militares e PMs por participação nos atos de vandalismo. O ministro considerou que a Justiça Militar não tem competência para julgar militares envolvidos e listou os vários crimes cometidos: atos terroristas, ameaça, perseguição, dano, incitação ao crime, incêndio majorado, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. As penas aos terroristas – civis e militares – podem chegar a 12 anos de prisão.

A decisão do STF de julgar os milicos deve ter incomodado alguns generais – principalmente os mais serviçais do “capetão” Jair Bolsonaro. O site UOL garante que “a cúpula do Exército concordou com a decisão do ministro Alexandre de Moraes de manter na Justiça Civil a apuração de eventuais crimes cometidos por militares nos atos do 8 de janeiro. O comandante do Exército, general Tomás Paiva, já havia sinalizado a interlocutores do tribunal o entendimento de que militares envolvidos em casos de vandalismo e invasão às sedes dos Três Poderes cometeram crimes civis e, por isso, devem responder como civis”. Será mesmo? A conferir!

A chance histórica de punir militares golpistas

Por Leandro Fortes, no Diário do Centro do Mundo:

Charge: Machado

Uma decisão seca, de objetividade estoica, desferida à queima roupa pelo (sempre ele) ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, abriu uma brecha histórica no lodo da impunidade da caserna. Pela primeira vez, desde a Proclamação da República, militares golpistas brasileiros irão correr o risco de ser alcançados pela justiça comum, longe da farsa institucional da justiça militar.

Moraes, a pedido da Polícia Federal, decidiu que os militares das Forças Armadas e das polícias militares envolvidos nos atos terroristas de 8 de janeiro serão processados e julgados pelo STF.

O impacto simbólico da decisão é tão poderoso quanto o ato administrativo, em si. Desde a redemocratização, em 1985, a arrogância do poder militar, baseada na experiência de poder da ditadura, que prendeu, torturou e assassinou brasileiros e brasileiras quase sempre desarmados, traduzia-se na imposição da impunidade.

Nos últimos anos, essa arrogância transformou-se em chantagem explícita, a partir de um núcleo reacionário de oficiais-generais saudosos da ditadura, ora apresentados como bestas feras, ora como bestas quadradas.

A formação de um partido militar em torno do governo Bolsonaro consolidou-se a partir de uma visão anacrônica da política, de generais congelados na Guerra Fria, mas, principalmente, em torno de interesses mesquinhos e antinacionais.

Sob a fachada do hiperconservadorismo, figuras dantescas como os generais Heleno, Villas Boas, Pazuello, Mourão e Braga Neto entregaram-se ao aparelhamento e ao saque puro e simples do Estado, sob o olhar complacente da mídia e das instituições.

O resultado é conhecido. A leniência criminosa com os acampamentos de “patriotas” em frente aos quartéis gestou a barbárie terrorista de 8 de janeiro.

O desafio maior do STF, portanto, não será o de prender meia dúzia de milicos doidivanas que foram arregaçar na Praça dos Três Poderes, mas meter no xilindró os generais que chocaram, cada qual em seu ninho, os ovos da serpente colocados pelo delinquente que, desde dezembro do ano passado, se esconde na periferia da Disney, nos Estados Unidos.

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