Apesar das constantes campanhas, fiscalizações e rigorosas punições, o trabalho escravo continua sendo uma realidade em várias partes do País, com destaque negativo para Minas Gerais, que liderou o ranking de fiscalizações em 2018, com 266 pessoas resgatadas em 46 ações fiscais, inclusive no Norte de Minas. No ano passado, foram feitas fiscalizações e resgates de trabalhadores nos municípios de Montes Claros, Capitão Enéas, Francisco Sá, Januária, Jequitaí e Lassance, com emissão de guias de seguro-desemprego e pagamento de verbas rescisórias por parte dos empregadores. O reaquecimento da atividade siderúrgica tem impulsionado a produção de carvão e, consequentemente, o aumento dos casos de trabalho escravo. E o ano de 2019 começou com novas descobertas.

A Inspeção do Trabalho da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia realizou, entre os dias 11 a 22 de fevereiro, uma série de fiscalizações para combate ao trabalho escravo em carvoarias no Norte e Centro-Oeste de Minas Gerais, abrangendo os municípios de Córrego Danta, Divinópolis, Coração de Jesus, Grão-Mogol e Águas Vermelhas. No total foram resgatados 26 trabalhadores, todos explorados em situação análoga à de escravo.
Nos municípios de Coração de Jesus e Grão-Mogol, região Norte do Estado, foram fiscalizadas três carvoarias, nas quais 100 trabalhadores laboravam sem as condições exigidas na legislação trabalhista. Dezesseis deles foram resgatados pelas equipes móveis. Os alojamentos em que eles estavam instalados não contavam com água potável, armários individuais para guarda de pertences, camas e roupas de cama, locais para refeição, sanitários separados por sexo e instalações elétricas adequadas.
Segundo os auditores-fiscais do Trabalho que participaram da operação, foram encontradas, inclusive, moradias compartilhadas entre famílias e trabalhadores, com um único sanitário para uso de todos os moradores, inclusive crianças.
Uma das carvoarias, no município de Coração de Jesus, surpreendeu a equipe de fiscais pela grande quantidade de fornos, cerca de 300. Foi a maior carvoaria já fiscalizada em Minas Gerais. Ali foi constatada terceirização irregular de 85 trabalhadores, explorados por intermediadores de mão-de-obra. Cerca de 20 trabalhadores sequer tinham registro em carteira de trabalho.
Na carvoaria em Córrego Danta foram resgatados seis trabalhadores e, em Águas Vermelhas, outros quatro – todos em condições degradantes de trabalho, sem alojamentos adequados ou instalações sanitárias. Os trabalhadores tinham de satisfazer suas necessidades fisiológicas no mato e tomavam banho usando balde, em um cercado. Os empregadores também deixaram de fornecer gratuitamente Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) aos trabalhadores e não ofereciam local adequado para preparo de alimentos. “Foi o segundo resgate de vítimas de trabalho em condição análoga à escravidão em carvoarias de Córrego Danta realizado pela Inspeção do Trabalho neste ano”, informa o chefe da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo, Maurício Krepsky.
Em outra carvoaria, nas proximidades do município de Martinho Campos, 17 trabalhadores foram encontrados em absoluta informalidade. Havia um adolescente entre
eles. Autuado, o proprietário terá de regularizar vínculos de emprego no prazo estipulado pela fiscalização. O adolescente teve sua função alterada para atividades administrativas, na própria empresa.
RESPONSABILIDADES
“Será apurada, pelas instituições que compõem o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, a responsabilidade das siderúrgicas que adquirem o carvão produzido em condições tão violentas, sem observância dos mínimos direitos sociais dos trabalhadores. O aumento recente dos casos envolvendo a produção de carvão indica um reaquecimento da atividade siderúrgica, sem que qualquer melhoria tenha sido oferecida aos trabalhadores das carvoarias”, informa o auditor-fiscal do Trabalho, Magno Riga, que coordenou a operação.
Os proprietários das carvoarias e das fazendas em que elas estavam instaladas foram responsabilizados pela contratação dos serviços dos trabalhadores, tendo de arcar com as verbas rescisórias apuradas pela fiscalização do trabalho, indenização a cada um dos trabalhadores resgatados e firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) perante o Ministério Público do Trabalho (MPT).
As fiscalizações ocorreram com participação de auditores-fiscais do Trabalho do Grupo Móvel da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia e também da Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais (SRT-MG), com apoio da Gerência do Trabalho de Montes Claros e acompanhamento do MPT, da Defensoria Pública da União, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.
NORTE DE MINAS
No ano passado, a Inspeção do Trabalho fiscalizou um estabelecimento em Montes Claros, com emissão de três guias do segurodesemprego e estabelecimento de verba rescisória no valor de R$ 18.836,65 ao empregador. Em Jequitaí, foram duas fiscalizações, com resgate de23 trabalhadores, que foram formalizados no Curso de Ação Fiscal, além de emissão de 23 guias de seguro-desemprego e estabelecimento de verba rescisória no valor de R$ 95.956,39. Já em Lassance, 23 trabalhadores foram formalizados no Curso de Ação Fiscal, com emissão de 25 guias do seguro-desemprego e estabelecimento de verba rescisória no valor de R$ 72.675,50

Dados da Inspeção do Trabalho revelam perfil dos resgatados

A condição análoga à de escravo possui forte relação com a informalidade e com o desemprego, avaliou o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), o auditorfiscal do Trabalho Maurício Krepsky Fagundes, após analisar os resultados de um perfil das vítimas de trabalho escravo divulgado recentemente (5) pela Secretaria Especial da Previdência e Trabalho, órgão vinculado ao Ministério da Economia.
“Dentre aqueles resgatados que já tinham um histórico de pelo menos uma admissão em emprego formal, 64% das últimas movimentações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados [Caged] foram demissões por iniciativa do empregador. Isso reflete uma considerável entrada de mão de obra em um sistema de exploração abaixo de patamares mínimos de dignidade, originária do desemprego involuntário. Dentre os trabalhadores estrangeiros resgatados, apenas 2% já tinham sido admitidos em um emprego formal”, disse Fagundes.
De acordo com o perfil, dados da fiscalização demonstram que 45% dos trabalhadores maiores de 18 anos resgatados nunca possuíram um emprego formal antes da data do resgate, 57% tiveram nenhuma ou apenas uma admissão no mercado de trabalho formal e 72% obtiveram, no máximo, três admissões registradas no histórico laboral. Em 2018, a fiscalização do governo federal encontrou 1.723 pessoas trabalhando em condições análogas às de escravo, das quais 1.113 foram resgatadas. Ao todo, os infratores pagaram R$ 3,4 milhões em verbas salariais e rescisórias.
DADOS
As informações, que têm como base dados do seguro-desemprego do trabalhador resgatado e do Caged, mostram que 87% dos trabalhadores resgatados eram homens e 13%, mulheres. Quanto à educação, 22% tinham até o 5º ano do ensino fundamental, enquanto 18% possuíam ensino fundamental completo e 11% eram analfabetos. Os dados revelam que 70% dos resgatados eram solteiros.
Em termos raciais, 72% se declararam pardos, 14% se afirmaram negros, 12% se declararam brancos, e 1% foram identificados como indígenas. Menos de 1%
declarou origem asiática.
NATURALIDADE
Em relação à naturalidade, os números acompanham a tendência da distribuição por residência: 57% eram naturais do Nordeste, 21% do Sudeste, 9% do Norte, 8%
do Centro-Oeste, 2% do Sul e 3% desconheciam o estado onde nasceram. Metade dos resgatados em 2018 nasceu nos Estados da Bahia, de Minas Gerais, Alagoas, do Ceará e do Piauí. Quanto à origem, 48% residiam no Nordeste, 28% do Sudeste, 13% do Norte, 10% do Centro-Oeste e 1% na região Sul.
Além do pagamento de R$ 3,4 milhões aos resgatados em verbas salarias e rescisórias, em decorrência da interrupção imediata dos contratos de trabalho, houve a emissão de 1.048 guias de seguro-desemprego, que totalizaram R$ 2,5 milhões de benefícios especiais concedido aos trabalhadores vítimas de trabalho escravo.
HISTÓRICO
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) atua em todo o território nacional desde 1995, quando o governo brasileiro admitiu a existência de trabalho escravo no
país e foi iniciada a implementação da política pública de combate ao problema. Desde então, foram mais de 53 mil trabalhadores e trabalhadoras resgatadas dessa condição e mais de R$ 100 milhões recebidos pelas vítimas a título de verbas salariais e rescisórias durante as operações.
As ações de combate ao traba lho análogo ao de escravo são coordenadas pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Polícia Rodoviária
Federal (PRF), a Polícia Federal (PF), o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU). As seções
de Inspeção do Trabalho, inseridas no âmbito das Superintendências Regionais do Trabalho (SRTs) e das gerências regionais do Trabalho (GRTs), desenvolvem atividades permanentes de combate ao trabalho escravo.
No ano passado, 12 unidades regionais possuíam atividades de fiscalização formalizadas, com metas anuais: Bahia, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. As demais unidades regionais atuam no combate ao trabalho escravo por meio de denúncias, que pela gravidade do tema, recebem atendimento prioritário.
Os dados consolidados e detalhados das ações de combate ao trabalho escravo desde 1995 estão no Radar do Trabalho Escravo da SIT. As denúncias de trabalho escravo podem ser feitas nas unidades do Ministério da Economia pelo País e também por meio do Disque Direitos Humanos (Disque 100).

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