Estudo mostra que feminicídios têm aumentado, como mostrou reunião em Montes Claros; deputadas visitam presídio feminino
– A violência doméstica não é natural, e sim, cultural e histórica, com as mulheres aparecendo como o polo fraco e submisso. Ela atinge pessoas de todas as classes e idades, mas com prevalência de negras e pobres. E a continuidade disso leva muitas vezes ao feminicídio, evidenciando a omissão do poder público.
Violência doméstica é cultural e atinge todas as classes
Essas análises permearam as falas da maior parte das convidadas e convidados à audiência pública que a Comissão de Direitos Humanos realizou na tarde desta quinta-feira (12/3/20) em Montes Claros (Norte). Solicitada pela deputada Leninha (PT), presidente dessa comissão da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a reunião discutiu a violência contra a mulher e os direitos humanos no Norte de Minas, especialmente em Buritizeiro.
Cláudia Maia, da Rede de Enfrentamento à violência de Montes Claros, apresentou conclusões do estudo realizado pelo Grupo de Pesquisa Gênero e Violência da Unimontes. Uma delas é que as taxas de feminicídio no País têm aumentado nos últimos anos e que essas mortes acontecem em sua maioria dentro de casa.
Em Minas Gerais, esse número pulou de 929 em 2016 para 1206 em 2018. Já em Montes Claros, foram 10 em 2016 e cinco em 2019.
Para enfrentar essa situação, a pesquisadora propõe medidas de prevenção. No curto prazo, ela defende a criação de mais delegacias especializadas em atendimento à mulher na região e a ampliação do atendimento com funcionamento 24 horas, todos os dias.
Patrulhas – Outra iniciativa nesse sentido seria a expansão das patrulhas de prevenção à violência doméstica e maior apoio financeiro e estrutural às redes integradas de atenção, de modo a dinamizar essa atuação. Complementando as sugestões, Eliane Silva, coordenadora regional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Fetaemg defendeu a criação dessas patrulhas também na área rural. A longo prazo, Cláudia Maia sugeriu introduzir a discussão da violência doméstica como conteúdo em todos os três níveis de ensino.
Arlete Alves de Almeida, que coordena o Projeto Centro da Mulher do Movimento do Graal, de Buritizeiro, lembrou que a cidade apareceu em 2015 na primeira posição em feminicídios de Minas e sexta no País. Para ela, a situação de pobreza, que marca a vida da maioria das habitantes da cidade, acaba aprofundando o problema, uma vez que elas dependem economicamente dos parceiros. E deu seu testemunho de que só conseguiu sair desse ciclo de violência quando se emancipou, o que possibilitou a mudança de sua vida.
Cerca de 1300 inquéritos paralisados
O promotor de Justiça de Montes Claros, Guilherme Silva, detectou algumas dificuldades para fazer cumprir o que determinam as leis de proteção às mulheres. Citou dados de 2010 a 2015 mostrando que há cerca de 1300 inquéritos paralisados na Delegacia Especializada de Montes Claros, que não foram encaminhados para o Judiciário, sendo que muitos já prescreveram.
Ele avalia que a insuficiência de pessoal contribui para esse quadro, em que apenas 16% das ações relacionadas a esse tema terminaram em condenações. “A cada 10 casos de violência, apenas um agressor foi responsabilizado e 85% dos casos não foram investigados.
Na avaliação do promotor, além da melhoria da infraestrutura da Delegacia e de outros atores do sistema de justiça criminal, é necessária uma atuação em rede de todos eles para superar esse dilema.
Rede – Nesse sentido, Sandra Maria da Silva, coordenadora da Mulher de Montes Claros, revelou que o órgão municipal tem promovido esse diálogo com os movimentos sociais e toda a rede de enfrentamento da violência contra a mulher. Tanto que avanços já foram obtidos com a apresentação do plano municipal de políticas públicas para as mulheres.
Uma das conquistas citadas foi a criação do Centro de internação que atende vítimas de violência, com 20 leitos para mulheres que correm risco de vida e seus filhos menores. Também já funciona na cidade a Patrulha de Prevenção à Violência contra Mulheres, com atendimento psicossocial das atingidas.
A dirigente anunciou que até abril, será inaugurado o Centro de Referência e de Atendimento a Mulher Vítima de Violência, que oferecerá acompanhamentos psicológico, social e jurídico por meio de equipe multidisciplinar.
Já Karine Costa, delegada especializada em atendimento à mulher de Montes Claros, divulgou que há quase 3 mil procedimentos em andamento, com 15 a 20 mulheres atendidas por dia em média. Ela defendeu a criação de uma vara especializada em violência doméstica no município. “Muitas medidas protetivas não são cumpridas em 48 horas devido a essa ausência da vara especializada”, lamentou.
Buritizeiro – O tenente Eiser Rodrigues, chefe de operaçõs do 55º Batalhão de Polícia em Buritizeiro dirigiu-se à Arlete Almeida para dar-lhe uma boa notícia. Depois do dado negativo de 2015, Buritizeiro teve redução da violência doméstica em 20%.
Segundo ele, isso se deve à atenção especial que sua unidade tem dado ao tema, por meio de algumas estratégias: treinamento dos policiais para que realizem um atendimento mais humanizado às vítimas. E a cidade vai também implantar sua patrulha de prevenção. Ele aproveitou para entregar às deputadas ofício solicitando emenda parlamentar que bancaria a combra de uma viatura para melhor desenvolver as ações.
A deputada Leninha mandou um recado para Romeu Zema (Novo), o qual afirmou que a natureza do homem é agressiva. “O governador não pode tentar naturalizar o que é uma forma violência. Não é natural que uma mulher seja agredida ou morta simplesmente por ser mulher”, rebateu. Ela completo que a luta em defesa das mulheres é de toda a sociedade e dever ser travada de forma apartidária, independentemente de classe e gênero.
Já a presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres, deputada Andréia de Jesus (Psol) constatou que a maioria das pessoas que estão à frente dos movimentos sociais é formada por mulheres. “Mas quando chegamos aos espaços de poder, vemos que eles ainda são dominados por homens”, afirmou ela, propondo saídas coletivas para a solução das questões femininas.
Presídio lotado oferece más condições às detentas
Antes da audiência, as deputadas visitaram a Ala Feminina do Presídio Alvorada, em Montes Claros. E puderam verificar in loco como diversas formas de violência acabam se concentrando num mesmo espaço confinado.
Na visita à unidade, foram ouvidas algumas detentas, que apresentaram queixas de violações de direitos humanos. Uma delas foi quanto à superlotação: o espaço com capacidade para 40 presas abriga hoje quase o dobro, 75.
Outro problema relatado foi quanto ao atendimento de saúde às presas, muitas delas adoentadas. Uma das detentas disse que há colegas com câncer, esquisofrenia, diabetes, água no pulmão. E o único médico que as atende só faz isso de vez em quando.
Comida ruim -Também reclamaram da qualidade da comida. Thauanne Costa disse que a alimentação não é de boa qualidade, com arroz e, repetidamente, frango, quase sempre, crus, sem falar nos episódios em que foi servida comida estragada. Algumas agentes penitenciárias que atuam na unidade confirmaram essa impressão ao dizerem que não comem a comida servida no presídio, preferindo comprar sua refeição.
Na visita às seis celas da prisão, várias condenadas denunciaram que não estavam sendo atendidas a contento pela Defensoria, já que, pelo tempo, tinham obtido progressão de pena, ou em alguns casos, já poderiam ter sido libertadas.
Algumas presas já no regime semi-aberto,, com famílias em outros municípios, reclamaram que foi cortada a verba para as passagens de ônibus. Com isso, são obrigadas a se deslocar por meio de caronas, o que é arriscado.
Presente à visita, a defensora pública Maíza Rodrigues da Silva, anunciou que ainda em março, a Defensoria local vai iniciar mutirão para dar assistência jurídica às detentas.
Via ALMG